Dia 23 de Maio de 2007
Amanhã são os anos do Ivo, e, uma vez na vida, enviei o que tinha a enviar com a devida antecedência, de modo a que não me preciso preocupar...chega a horas sim.
Está feita a minha última viagem significante antes de voltar à pátria...Acabei de despedir a Catarina, que volta amanhã de manhã para Portugal. Ela foi a minha companheira de viagem nestes dois dias na Irlanda.
Saímos pelas 5:30 da manhã aqui de Clifton, e por volta das 9:00 horas já estávamos em Dublin airport. O voo é muito curto, mas há que ressaltar que os aviões da Ryanair ao aterrar fazem um barulho verdadeiramente assustador, VROOOOOOOOUUUUM, parece que vão rebentar a qualquer instante, depois de os pneus se pulverizarem por completo, alias, como diz a Catarina, é a EXPL, só fica a faltar o OSÃO final.
Como somos meninas minimamente inteligentes já tínhamos descoberto, via net, qual o autocarro a tomar, era o 41, para o city centre. Como a inteligência se fica pelo mínimo, no entanto, acabámos por tomar o 41 para cú de judas...mas a determinada altura, antes de chegar a Belfast, lá notámos. Mais uma vez nos valeu o mínimo. (de inteligência). Uma vez apanhado o veículo certo, adormeci de alivio, deixando a minha camarada com a árdua tarefa de manter os olhinhos dela abertos para não falharmos a paragem, enquanto eu cabeceava e babava toda consolada.
A primeira descoberta que fizemos no país dos Leprechauns e dos trevos, é que os marcos do correio são verdes, em oposição aos característicos marcos vermelhos da ilhota monárquica; e que é caro como tudo. Ainda consegue ser “mais pior mau” que a Inglaterra, parece-me. Ou então foi de ver euros de novo, e já não estar habituada. Uma garrafa de água não se arranjava a menos de 2.20€, e o cúmulo foi mesmo a usura que sofremos no posto de turismo, onde por um mapa da cidade, impresso numa folha A4, pediam 1 euro! Que descaramento! E nem tinha monumentos nenhuns assinalados! Em Cornwall foi tudo de graça e com muito mais simpatia. Acho mal. Acabámos por comprar um mapinha um pouco mais sofisticado, que custou 2€, mas só por embirrância roubei o de 1€. Que é para não serem assim. Ainda apanhei um cagaço quando a senhora da caixa veio a correr atrás de nós aos gritos (consciência de criminosa), mas tratava-se simplesmente da minha garrafa de água cara, da qual me tinha esquecido.
Depressa descobrimos que Dublin não é uma cidade que prima pelos seus ex-libris inconfundíveis, tirando talvez a cerveja Guiness, cuja publicidade omnipresente realmente chega a ser poluição visual, e invasão do espaço óptico. Quase ficámos ocularmente bêbedas.
Seguimos então o nosso mapa, tentámos ver o máximo possível de atracções turísticas, sendo que uma que me interessava realmente nos escapou: queria ter ido ver a múmia extremamente bem conservada do “Bog man”, encontrada nos pantanais de turfa. Se fôr a que eu estou a pensar, usa umas botas caneleiras em estado admirável, que de resto dariam para pedir emprestadas e calçar na rua sem que ninguém achasse estranho, de tão boas que estão. Infelizmente o respectivo museu encerra às segundas-feiras. Privaram-me de me aculturar, e por arrastamento, de vos aculturar a vós!
Vimos portanto Trinity College, que é a universidade; Dublin Castle, que foi a sede do poder inglês na Irlanda (pequena reflexão à parte, se eu quisesse escrever “sede” - de beber - , do poder inglês, como o faria??? A acentuação tuga deixa a desejar...) por sete séculos, até à independência em 1923; e St.Patrick’s Cathedral, uma catredral que muito contribuiu para a vida e cultura irlandesas. Reza a lenda que St.Patrick teria baptizado recém-conversos num poço que fica num parque ao lado da catedral, tendo por isso existido uma igreja no local, desde pelo menos o século V. Os normandos construíram a primeira igreja de pedra em 1191, que foi reconstruída no século XIII, mantendo-se muito semelhante ao que vemos hoje.
Jonathan Swift foi lá dean desde 1713-45, supostamente enquanto não estava ocupado a congeminar “As viagens de Gulliver”, e foi também nesta igreja que o “Messias” de Händel foi pela primeira vez cantado para o público, na Irlanda, uma performance que reuniu os coros de St.Patrick’s e também de Christchurch Cathedral. Esta última é dos edifícios mais antigos de Dublin, e tendo sido fundada em 1038 por Vikings é a única catedral no todo de Inglaterra e Irlanda que tem fundamentos nórdicos.
No interior da catedral pode-se ver, entre outras outras coisas o túmulo de Strongbow, o líder dos normandos que capturaram Dublin em 1170.
Prestadas as honras à cultura secular entrámos então em algumas das abundantes lojinhas verdejantes de trevos e leprechauns, que armadilham as ruas, nas quais comprámos alguns postais e outras porcarias que ninguém precisa na realidade, e que se transformam em quinquilharias embaraçosas assim que se chega a casa, mas que na altura parecem maravilhosamente típicas. Abestive-me de comprar um chapéu verde monstruoso, e também não tenho um porta chaves a dizer Kiss My Ass em Gaelico – sou uma heroína!
Seguimos caminho à procura de uma exposição sobre Vikings que era suposto existir num determinado ponto do mapa, o que se revelou uma mentira fedorenta, pois o maldito papelucho apesar de ter custado dois euros nem por isso tinha sido actualizado desde os tempos de vida de Gutenberg, mais ou menos, tendo a exposição em causa fechado há cerca de 7(!!!) anos...mas felizmente tinha aberto uma nova, num sitio diferente, à qual nos dirigimos e decidimos entrar, apesar de custar 5€. É que já nos escasseavam coisas para fazer e de qualquer modo eu tenho um certo fascínio pelos Vikings, que o Filipe desconfia provir somente do facto de serem grandes e loiros (na volta é verdade), que não perdia nada em ser colorido com algumas informações históricas.
A exposição começava com uma parte sobre o passado medieval de Dublinia, de onde deriva Dublin, nome inglês e internacional, que no entanto não é o mais antigo, uma vez que o aglomerado de habitações inicial, que remota a tempos pré-históricos tinha o fantástico nome de Áth Cliath, que em irlandês moderno é Baile Átha Cliath...não admira que seja Dublin para os amigos estrangeiros. Dubhlinn queria dizer “Poça escura”, e quando os Vikings tomaram a cidade e a baía corromperam a palavra para Dyflinn, sendo este o nome que aparece nas sagas islandesas.
Achei bastante interessante a parte da exposição dedicada aos barcos Viking: a própria palavra Viking, (que geralmente se usa para descrever os povos nórdicos da mesma época histórica, provenientes da actual escandinávia), inicialmente queria dizer pirata, alguém que navegava para conseguir espojos, saíndo de uma baía (Vik) para atacar: um Vikingr.
Os barcos foram a chave para o successo e a rápida expansão destes guerreiros guedelhudos, conseguindo cobrir cerca de 190Kms em 24 horas. Geralmente não levavam mais de 32 remadores, e uma réplica de um barco Viking encontrado em Gokstad fez a travessia entre a Noruéga e a Terra Nova em 4 semanas. Nada mau...
Levo também um grave corte no arquétipo dos capacetes cornudos, que nada mais são senão um engano histórico, sendo usados por povos pré-vikings em certas cerimónias místicas, mas nunca por Vikings...e eu que já tinha os chifres de vaca para o próximo carnaval...
Acabámos o dia passeando por O’Connel Street, e a fazer umas comprinhas muito económicas, para podermos fazer o esparguete com molho de frasco da praxe, e mais umas coisas para fazermos as sanduiches que nos sustentaram ao longo dos dois dias. Atum e paté, para mim, atum com atum e atum e um bocadinho de milho para a Catarina...que enjoo.
No Shining Hostel, que fica em Marlborough Street, os computadores estavam avariados, não havia lençóis (deram nos capas de edredão, como substituto) e não sabiam o que eram panos de cozinha. Ah, e estava invadido de brasileiros que pareciam ser pagos por olhar de olhos esbugalhados para quem chegava, enquanto ateimavam uns com os outros que “a quarter of an hour” eram 25 minutos, possivelmente partindo do pressuposto errado que uma hora teria 100 minutos...Lá os elucidei (não, não me contive: Dicionáááário).De resto tudo bem.
Na manhã seguinte tomámos o pequeno-almoço lá, torradinhas com geleia e chá inglês pois era incluído no preço, e à pala disso quase perdemos o highlight da nossa viagem. Que choques de adrenalina que sofremos quando achávamos que só tínhamos 10 minutos para pagar, arrumar as coisas, e chegar à paragem do autocarro...ufa...o que vale é que um idiota tinha nos dado uma hora errada. Pudemos relaxar os nossos dedos suados e frios, que ainda apertavam a última torrada, pois apesar de toda a pressa, nunca a largáramos. Há que ter prioridades.
O highlight da nossa viagem foi a Wild Wicklow Tour, um passeio de autocarro pelos arredores montanhosos de Dublin, que primeiro nos pareceu caro, pois custa 25€, mas que na realidade nos mostra um pouco daquela Irlanda que temos no imaginário, com montanhas verdes, lagos e nebelinas. Como a Escócia, mas um pouco mais suave. The Emerald Island...
Partímos então, num autocarro com mais 28 pessoas e o condutor, Dave, que era ao mesmo tempo o guia, (isto quanto a: por favor não distraia o condutor...), um bombeiro reformado e interessado em história.
Saímos da cidade por uma estrada ao longo da costa, por onde seguiam também os carris do DART, - um comboiozinho que é muito bom para turistas, pois fornece imensa paisagem costeira, e é económico. Aconselho vivamente, já que a mim ninguém mo aconselhou e não pude usufruir dele. Passámos pelas áreas suburbanas mais finas, onde se situa a embaixada dos EUA, que parece um bolo de noiva, sendo que é isso mesmo que os Irlandeses lhe chamam, e entre outras ruas posh também a mais cara rua de Dublin, Threwsbury Road, onde uma casa foi vendida há pouco pela módica quantia de 52 milhões de euros, e a média por habitação é de 400 mil. É um bom sitio para uma escola como Blackrock School, onde andou o Bob Geldorf e o Primeiro ministro da Irlanda, e que custa qualquer coisa como 15.000€ por ano, se bem me lembro. Queixamo-nos nós das propinas. E a pensar que morrereu aqui um milhão de pessoas à fome há tão pouco tempo, em 1845...
Daí a estrada serpenteava ao longo de costa rochosa até Dun Laohaire (lê-se Dan Leory), onde pudemos apreciar os moderníssimos Catamarans que fazem a travessia entre Wales e a Irlanda em 90 minutos, a uma velocidade de 60 nós, o que, deixem-me mencionar, para os menos náuticamente cultos entre vós, é rápido comó caraças, passe a expressão.
Chegámos a Sandycove, onde fica a famosa Torre de Martello, que tendo sido costruida em 1804, como parte de uma série de fortalezas eregidas pelo exército britânico como protecção contra as invasões napoleónicas, foi imortalizada por James Joyce, que passou lá umas férias conturbadas, uma vez que tinha escrito criticas venenosas sobre uma quantidade de escritores e poetas contemporâneos, entre outros, o seu anfitrião na torre, Oliver St John Gogarty, que lá residia desde 1904. Possivelmente o Sr.Gogarty só concordou em deixar Joyce ficar, com medo daquilo que o jovem rebelde aceso de 22 anos pudesse ainda acrescentar de corrosivo àquilo que já tinha escrito...
Embora curta, e finalizada com tiros de espingarda, a sua estadia, em 1912, neste local inspirante, definitivamente influenciou Joyce, que usou a torre como cenário para partes do seu (hum, ilegível) romance Ulysses, livro que confesso nunca ter lido, embora seja o livro preferido de 3 em cada 4 “intelectuais”, seja lá esse bicho o que fôr, pois eu nunca conheci nenhum. E acho que me escangalhava a rir se alguém se auto-intitulasse “intelectual”, mais ridiculo que isso só filósofo. Bom, eu, sendo tudo menos intelectual, e bem pouco filosófica, lá me arrastei artavés de “The portrait of the artist as a young man”, que por acaso introduz Stephen Dedalus, que os mais corajosos reencontram em Ulysses, a barbear-se na dita torre, que hoje em dia alberga um James Joyce Museum. Poderia dizer vos mais qualquer coisa acerca disto, se fosse intelectual, ou pelo menos um bocadinho mais acordada, mas assim o panfleto que trouxe como background-information lamentávelmente está escrito em dinamarquês, tendo sido tirado da caixa errada, e de pouco me adianta.
Seguimos até Dalkey, uma vila conhecida por ser o local de eleição de ricos e famosos, tendo o seu castelo, Killiney Castle, sido transformado em hotel, e terrívelmente pintado de bordeaux...até se me contorceu o bom gosto. Passámos a casa de Bono, dos U2, e o palacete da ninfa cantadoira Enya, que mais tarde nos ululou aos ouvidos via rádio, numa exposição de nacionalismo sonoro, para depois tomarmos café numa espécie de feira de artesanato permanente chamada Avoca Handweavers. Aí não pude gastar 50 euros em cobertores e xailes de pura lã irlandesa, mas em compensação pude tirar fotos no jardim, que para além de ser muito bonito tem como atracção herbológica ou arbológica um cipreste enorme cujos ramos crescem para baixo, como os de um salgueiro, o que o faz especial, e muito analisado.
Daí é sempre a subir, por uma propriedade enorme – 22.000 acres - que pertenceu outrora a um tal Powerscourt, que tinha tantas pessoas a trabalhar para ele que teve que construir uma vila onde elas pudessem viver, a vila de Enniskerry. A propriedade foi comprada pela famíla Slazenger (raquetes e outra parafernália desportiva!!) que entretanto a doou ao governo da Irlanda, recentemente.
A estrada que subimos chama-se Military Road, pois no topo dela costumava situar-se um quartel inglês que foi transformado num Reconcilliation Centre, ou seja, um lugar onde pessoas conflituosas, mas com vontade de resolver os problemas se podem encontrar para o fazer. Já lá se encontraram por exemplo jovens católicos e protestantes, da Irlanda do Norte, e aparentemente a calma e beleza do sítio leva, geralmente a resultados bastante positivos, pelo menos numa escala individual.
Este paíszinho, que era do mais miserável que há, e cujas principais formas de subsistência sempre foram a agricultura e o turismo, assistindo-se por isso a um verdadeiro “Brain-drain”, isto é, a emigração massiva das pessoas mais educadas e cultas, conseguiu, na última década, ou pouco mais, reverter este processo e assumir-se como a segunda mais forte economia na Europa. Ainda em 1974, uma embaixada de Bruxelas, a mandado da U.E., denominou o país como uma “Third World Western Society”, uma sociedade de terceiro mundo no meio da Europa Ocidental, sendo-lhe por isso atribuidos massivos subsídios e ajudas financeiras, que contribuiram para resolver o problema, e transformar o país naquilo que hoje vemos. No entanto este fenómeno, ao qual se ficou a dever o nome que é dado hoje à Republica da Irlanda: “Celtic Tiger”, tem as suas raízes em grande parte numa astuta acção de redução da “Corporative Tax”, as taxas e impostos que as empresas estrangeiras, que se quisessem fixar no país, tinham que pagar, e que atraiu muitos investidores, tais como por exemplo industrias de ponta como a Siemens, e industrias cinematográficas, para as quais fica muito mais barato fazer as filmagens na Irlanda, do que por exemplo na Escócia. Aliás grandes partes do filme Braveheart foram filamadas num vale ali mesmo, pelo qual passámos. Com isto tudo, entre 1995-8 pode-se verificar que pela primeira vez na história do país a emigração estagnou.
A ideia da Irlanda pobrezinha coitadinha, pode, portanto, ser alterada, pois hoje em dia estamos perante um país que tem dos melhores sistemas de educação (gratuita!) e de saude da Europa, e virtualmente nenhum desemprego. Dito isto, nem por isso tudo são rosas: o custo de vida é muito elevado, o que obriga as pessoas a terem dois e três empregos, a contraírem empréstimos quase vitalícios para comprarem casa, e um subsidio de desemprego nunca é mais extenso do que seis semanas.
Em Glennkrie, onde fica o centro de reconciliação, fica também um pequeno cemitério alemão, que aliás é o único bocadinho de terra irlandesa sobre jurisdição alemã, para além da embaixada, e onde estão sepultados cerca de 100 pilotos alemães cujos aviões foram abatidos sobre este território, na segunda guerra mundial, quando voltavam das missões de bombardeamento das docas de Liverpool, local estratégico na indústria da inimiga Inglaterra.
Uns cinquenta metros mais à frente a paisagem muda completamente: Se nos deslocávamos por terreno montanhoso, cheio de árvores e relva, com pequenos riachos límpidos, agora chegamos ao ponto mais alto das montanhas, e a paisagem de natureza morta, sem árvores, varrida de nevoeiro. O sua principal característica é a turfa, que ainda hoje é cortada, e os pântanos acastanhados com mais de 5000 anos de idade, que cobrem com certeza muitos segredos obscuros. É a atmosfera certa para imaginar seres fantásticos como luzes de fada, que atraem os viajantes mais menos cautelosos, com uma luz quente que parece uma lanterna, só para depois os levar até às partes traiçoeiras do pântano, onde desaparecem para sempre, engolidos pelo nevoeiro, os seus gritos de socorro levados pelo vento uivante...Também pequenos duendes da turfa, castanhos e encarquilhados, com cabelinhos ralos e emaranhados como as raízes da urze...bichinhos do pântano, espinhosos, que se adaptam miméticamente ao tojo e que nadam como peixes pelas poças castanhas...
Passámos o Lough Brie (sim, os irlandeses também chmam isso aos lagos, mas escrevem de maneira distinta dos scots), um lago deixado por um glaciar que comia o seu caminho por esta paisagem há muitos anos atrás, mas que agora desapareceu, e pela nascente do rio Livy, do qual provém toda a água usada na produção da famosa cerveja Guiness - parece impossível, quando se vê a miserável lágrimazinha de água que ele é, ali na nascente. Entrávamos agora noutra grande propriedade, esta de 4000 acres, pertencente à família Guiness., onde dizem que até os riachos não são de água, mas desta cerveja, devido à sua cor acastanhada mas transparente, que provém da turfa, e da espuma branca que se forma quando embatem nos rochedos. Não provei, logo nem posso dizer que seja mentira. Lá que parecia, parecia. Mas se fosse mesmo com certeza estaria lá a SOAEG, sede oficial da associação de estudantes global. E não estava.
Parámos para ver uma paisagem absolutamente linda um pouco mais à frente, mais uma vez uma transformação drástica, pois agora encontravamo-nos num caminho montanhoso com florestas de coníferas do lado esquerdo, e vales paradisíacos do lado direito. Especialmente o vale de Lough Tay é das coisas mais fotogénicas que já me passaram pela frente, não é em vão que é o local mais filamdo da Irlanda....foram ali feitas grandes partes do filme “Excalibur”, e pudemos ver a árvore onde William Wallace, alias, Mel Gibson prendeu o cavalo, e o relvado onde ficava a vilazinha escocesa, no filme. De momento estavam a gravar uma versão cinematográfica de “Curiosity Shop”, do Dickens, e a minha mãe que não estava! Fã incondicional do Sr.Dickens, perdeu a oportunidade de rolar encosta abaixo em reverência, ou quem sabe fazer de figurante...
Roundwood era o próximo ponto de interesse, a vila que fica a maior altitude, em toda a Irlanda, para além de residência do meu estimado Pierce Brosnam, com o qual me tenho dado mais, nos últimos tempos, do que alguma vez imaginei possível...Mas deixem-me garantir que ainda não cheguei ao ponto de lhe cair nos braços gemendo Jaaaaaames, oh, Jaaaames! Vamos lá a ver essas suposições e familiaridades!
A seguir de Roundwood vem Annamoe, uma aldeia minúscula que nem igreja tem, mas em compensação tem Mia Farrow e Daniel Day-Lewis, o qual revi no outro dia no filme “In the name of the Father”, e que surpreendentemente já foi jovem e relativamente bem-parecido. A personagem de “o Talhante” em Gangs of New York é que veio arruinar tudo, ninguém pode partir a cara do Leonardo DiCaprio daquela maneira e conservar simpatias...
Finalmente chegámos a Glendalough, sendo que Glenn=vale + da=dois + lough=lago, logo Vale dos dois lagos onde por volta do ano de 570 viveu um monge eremita, que foi santificado, transformando-se em Saint Kevin. Por acaso eu só há cerca de um ano é que descobri que Kevin é um nome gaélico muito antigo, pensava que era daqueles nomes modernos, à pop star, como Keisha ou Mike...( e refiro-me a “Mike”, a abreviatura, como nome, e não a Michael, mais sei eu que este é bíblico!). Enfim, o dito eremita santificado viveu durante anos numa gruta, e em honra dele foi fundado um mosteiro, ou melhor uma verdadeira cidade monástica, no início do século VII. Nesta cidade, a dada altura viveram mais de 7000 pessoas, e preciso destacar que o sítio é no meio do nada! Visitámos a antiquíssima Saint Peter and Paul’s Cathedral, um cemitério cheio de cruzes gaelicas, uma das quais é a de Saint Peter, sobre a qual há uma lenda no que diz respeito à fecundidade feminina...reza a lenda que se uma mulher abraçar a cruz e conseguir juntar os dedos, irá ter tantos filhos quantos dedos conseguir juntar...e vocês sabem que eu atiro para o comprido...juntei todos os dedos, ou pelo menos os oito que não são polegares, enquanto a maior parte das meninas juntavam dois ou três...ou nenhum! Filipe, vêm aí gaiatos até dizer chega!
No centro do cemitério fica uma Torre com cerca de 300 pés de altura, uns 100 metros, que servia de marco orientador a caminhantes, antes de o senhor Marconi inventar algo que a “supérfluizou”, e também para vigia. Para minha desilusão não tinha nenhuma lenda romântica associada, nem uma Rapunzelzinha pequenina, nada.
Daí (meu Deus, isto é o efeito que a Camila tem sobre o meu português, ela é que diz sempre: E daíííííi fizemos isto...e daííííí eu achei muito caro....e daíííí ele não gostou...) fizemos um passeio deveras idílico entre os dois lagos do vale, um que fica mesmo ao pé do mosteiro, e o outro que fica a uns vinte minutos. Mais senhor-dos-anéis não podia ser, com uma floresta de árvores enormes, e um caminho que ora estava salpicado de manchas de luz e sombra que cáiam pela folhagem, ora estava de “sol líquido”, pois é verdade que na Irlanda se pode apanhar quatro estações do ano num dia, tivemos chuva, sol, vento, nevoeiro...mas a chuva foi piedosa, considerando que se costuma dizer que se der para ver as montanhas é porque vai chover, se não der é porque está a chover...
Almoço tardio, pelas 3 horas, foi num Pub tradicional, mas custava 11€, e afinal de contas ainda tinhamos sanduíches de paté e de atum (em sanduíches separadas, não pensem lá) que procedemos a dividir com uma gatinha preta que apareceu do nada. Sentadinhas ao sol que nem o rei da montanha, e ainda levei o descaramento ao ponto de ir encher a garrafa de água à casa de banho do pub.
Algumas horas mais tarde já estávamos a aterrar em Bristol, tendo usado o tempo de espera no aeroporto para escrever os postais que os mais bonzinhos de vós já receberam e que os mais mauzinhos não mereceram. Aos restantes, as minhas desculpas: Não tenho as vossas moradas, provávelmente. Avó, eu a si mandei-lhe outra coisa, que lhe comprei em Dublin!