Monday, 23 April 2007

Cornwall..dias de sol e mar!

Terça-feira, dia 17, lá parti para mais uma viagemzinha aqui pela ilhota, desta vez para Cornwall. A Heike tinha planeado tudinho, foi só pagar e ir...Quatro horas de comboio, pela paisagem verdejante inglesa, que pouco a pouco se ia alterando para um cenário mais costeiro, com menos árvores, e mais rochas e mar azul...depois de mudarmos de comboio em Exeter, e tentarmos dormir mais um pouco, experimentando novas e alternativas posições, como por exemplo debruçadas para a frente, com a cabeça em cima do saco das sandes, ou de pescoço em U e o maxilar a descair pouco esteticamente. E eu que tenho um pescoço comprido...dá para curvar bem, mas depois tem mais centímetros doridos que o de outras pessoas. Não cheguei a mostrar o meu bilhete, pois quando o pica passou eu estava ocupada com o irmãozinho da morte (chôno) e apesar das tentativas débeis da heike, não me incomodei. Ela tentou acordar-me abanando-me um pouco, tadinha, mal sabe ela da qualidade do meu sono, da qual me orgulho...acho que até me poderia ter lambido a orelha que eu não acordava, pois estou habituada a dormir pouco higienicamente com cão. Nariz frio na cova do pescoço é que é remédio santo, mandá-la-ia logo para o sofá. Bem, lá chegámos a Penzance, a nossa base de exploração de Cornwall – pois recuso-me a dizer Cornualha, coisa horrível – onde saímos mesmo em frente ao gabinete de turismo, podendo nos então abastecer de todo o tipo de panfletos, folhetos e prospectos, que passamos a carregar para o nosso Backpackers Hostel, o “Blue Dolphin”, que fica a uns 12 minutos da estação e é muito recomendável. É uma casa residencial, que foi alterada para pousada, com cozinha, quartos limpos e ambiente familir. Dormimos num quarto só para meninas, mais uma senhora australiana, a Pauline.

Libertadas do peso e da responsabilidade que as malas acarretavam, decidimos explorar o Saint Michael’s Mount, na baía de Marazion. Este Mount é uma semi-ilha (eu sei que existe a palavra peninsula, vivo numa, mas não serve para aqui), pois quando a maré está alta é preciso apanhar um barquinho, por 3£ ida+volta, enquanto quando a maré está baixa, se chega lá a pé. Obviamente nós tivemos que apanhar a maré alta para lá e para cá, pois estamos a tentar poupar dinheiro, e o universo não pode facilitar, desembolsámos os 3£, a uns 50metros da terra firme (embora a Heike murmurasse qualquer coisa sobre nunca se dever pagar ao barqueiro ntes de se chegar ao outro lado do rio), e tivemos a alegria de uma simpática viagemzinha de barco, até ao cais do Saint Michael’s Mount, que se erguia à nossa frente, comportado semelhanças notórias com a “Ilha Negra”, um dos livros de Hergé. Para os menos cultos no universo da BD de qualidade, o papá do Timtim.

No início do caminho, que serpenteava monte acima até ao castelo, colocado aristocráticamente sobre o topo da montanha, encontrava-se um servente do universo, encarregado de nos despojar de mais uma quantia de massa, cortando ainda mais fundo nos nossos módicos recursos. Pagámos, calámos e subimos. Escadas de pedra antiga e moldada por séculos de pés cansados em ascensão, e pés ligeiros em “descensão”, rodeadas de plantas pouco inglesas, como camélias, agaves e árvores-de-dragão, explorando então o castelo, que, como viemos a descobrir inicialmente era um mosteiro, construido no local após uma visão milagrosa de Saint Michael, flutuando etéreamente sobre os topos das árvores, com um cartão preso na lapela, que o identificava como tal, suponho. Com a secularização das propriedades eclesiásticas debaixo de Henrique VIII o mosteiro foi transformado em Castelo/fortaleza, e mais tarde em casa senhorial. Visitámos tudo, algumas coisas ainda testemunhavam de um passado monástico, outras eram mais recentes, a vista, linda e eterna, era absolutamente invejável, e aparentemente ainda vive lá uma família, chamada St.Aubyn. Hasteada no exterior do edifício, e chicoteada pelo vento fresco que se fazia sentir, agitava-se a bandeira da Escócia, curiosamente. Azul escura, com a cruz branca, pareceu-nos a nós. Perguntámos, ao que a senhora da bilheteira nos ia deglutindo com uns olhos muito esbugalhados e escandalizados, pois tratava-se da bandeira de Cornwall, que é preta. Palavra de honra que contra o céu azul parecia azul escura...Regionalistas do caraças, levam tudo a peito.

De volta a terra firme verificámos que a rocha a partir da qual tinhamos apanhado o barquinho agora se encontrava completamente submersa, e como os nossos estômagos não têm muita estamina turistica, e requerem comida pelo menos duas vezes ao dia, procurámos a estação dos autocarros. Tinham nos dito que era em frente do hotel, as não se via sinalização nenhuma...as nossas dúvidas dispersaram-se quando o autocarro para Penzance dobrou a esquina ao fundo da rua, e voltaram a entrar em força quando apesar de pularmos e agitarmos os braços passou por nós sem parar, com um Vroooouuuum que parecia pingar chacota. Olhámos uma para a outra perplexas, discutindo a vantagem de usar mini-saias para fazer parar autocarros, quando uma senhora nos elucidou de que estavamos a 5m da paragem DESENHADA NO CHÃO, e que nunca parariam se não estivéssemos em cima dela, nem que fossemos a Angelina Jolie em top less. (Não utilizou exactamente estas palavras, a senhora, obviamente). Dirigimo-nos ao sítio certo, no centro das quatro linhas amarelas, e aí ficámos a apanhar brisa marinha e sombra durante 50 minutos. E não dá para imaginar o frio que faz assim que o sol desaparece atrás de qualquer coisa! A Heike aproveitou para ter um acesso de sentimentos primaveris, e abriu a bolsa da frente da mala, deixando que a anteriormente mencionada brisa semeasse todos os papelinhos importantes e menos importantes pelas quatro direcções da rosa dos ventos, mas especialmente para o lado do mar, onde, com somzinhos alegres de enxovalho, se precipitaram falésia abaixo, desaparecendo. Tudo isto debaixo do nosso olhar perplexo, pois somos senhoras, e como tal somos lentas e ponderadas. Se estivesse lá o Filipe ter-se ia subdividido em seis, apanhando todos os items antes que eles tivessem tempo de dizer chh-chhh. Mas não estava. Nem quero saber as coisas que lá iam e que ela ainda não deu como perdidas...!

Fi-nal-men-te lá apareceu um mini-autocarro, que - halelúia – parou. Enfiámos os nossos bilhetes (que felizmente se encontravam entre a papelada que sobrevivera a crise da Heike) na cara do rapaz que conduzia o abençoado veículo, quando, já de pézinho alçado, e mentalmente preparadas para irmos de cuzinhos tremidos até Penzance, o rapaz nos diz: Eh, desculpem, mas estes bilhetes só dão para os autocarros da First!

Escapou-me um “Shit” sentido, - se bem que pouco bem educado e ainda menos usual, pois como sabem não costumo pragejar, pelo menos na oralidade, na escrita por vezes sai me uma ou outra coisa menos vitoriana – que acabou por ser o nosso bilhete, pois o condutor descascou-se a rir, e levou-nos mesmo sem bilhetes válidos. Ainda gozou comigo várias vezes, dizendo que era a primeira vez que via umas turistas tão desbocadas, e que estava acostumado a ser saudado com “Hello”, e não com palavras obscenas, mas o momento de “Ups” foi quando nos perguntou o quais eram os nossos planos para a noite...Ainda tive um segundo de receio que nos fosse convidar para sair, mas contentou-se com a resposta evasiva de que estavamos cansadas e iamos ficar em casa. Foi este o nosso encontro com o John de Liverpool.

Terminámos o dia a passear por Penzance, pelo caminho junto ao mar e ainda comprámos comida: um pacote de esparguete por 18 pence, e um frasco de molho por 69 pence, os quais nos renderam dois jantares...que ninguém diga que não somos poupadinhas.

No dia seguinte comprámos o day ticket por cinco pounds e com ele viajámos até Porthcurno, onde queriamos visitar o Minack, consoante o folheto turistico “Cornwall’s theatre under the stars”. Se parecia uma coisa de pouca importância enquanto faziamos a caminhada até lá, encosta acima, com um solzinho daqueles que se não fosse em cornwall teria características exclusivamente tugas, quando lá chegámos mudei de ideias. Começava-se por uma exposição muito bem conseguida, que para além de fornecer todo o pano de fundo, nos deixou cheias de vontade de ver o dito teatro. Contava a história de Rowena Cade, uma senhora absolutamente incrível, que de uma adolescência serena e protegida, numa casa vitoriana em Cheltenham cresceu para ser uma apaixonada por teatro, representando peças de Shakespeare no jardim da sua nova casa na falésia de Porthcurno. Era ela que tratava da organização toda, desde costur fatos de duendes e asas de fada para “Sonho de uma noite de verão”, até engendrar a melhor maneira de posicionar os actores em cima de folhas de nenúfares falsas que insistiam em cair...Quando decidiram representar “A tempestade”, em 1932, o jardim deixou de servir como palco, e Rowena chegou à conclusão de que nada seria melhor como cenário do que a própria rocha da falésia, começando então a construir o Minnack Theatre, como ainda o podemos ver hoje, um amplo anfiteatro maravilhosamente situado nos píncaros escarpados, por cima do mar, lembrando as montanhas de chipre na antiguidade clássica, e com um toque absolutamente mágico.

O que começou por ser um projecto estranho acabou por se o sonho de uma vida, pois Rowena Cade trabalhou na construção do teatro até quase aos noventa anos, quando faleceu, e pode se dizer que quase o talhou a dente, com a ajuda de um ou dois amigos, acartou sacas de cimento e vigas enormes pelas encostas acima incansávelmente. Há uma história na exposição que testemunha da impressionante força de vontade dela, quando ela já idosa, e uma idosa com um ar muito frágil, - tinha uns bracinhos cheios de veias e tendões que pareciam da grossura de silvas – levou, sozinha, e ao longo de uma penosa manhã, quinze barrotes enormes, que tinham aparecido na praia depois de um acidente com um barco de carga, rocha acima até ao teatro, onde precisava deles. Quando mais tarde a polícia a interrogou acerca dos barrotes ela respondeu: “Sim, sim, levei alguma madeira até ao topo da falésia...Quer vir ver se é a que procura?” Obviamente os policias nunca pensaram que uma decrépita velhinha pudesse ter levado tais pesos até lá acima, e nem se preocuparam em ir verificar...

Só foi muuuuuuuuuita pena não podermos ver uma peça, pois o teatro funciona, e agora até está totalmente equipado com sistema de som...mas só a partir de Maio é que começam as representações.

Daí seguimos para um outro ponto alto da nossa viagem, uma caminhada desde o teatro até Land’s End, três horas ao longo da costa, por um trilho que parecia feito por ovelhas, e as mais lindas paisagens e vistas que se possam imaginar. Demorámos mais do que as três horas previstas pois a cada passo tínhamos que nos desfazer em ooooh’s e aaah’s, avançando à maneira japonesa, de foto em foto. Falésias, gaivotas, relva mais fofa que tapete persa, um mar que não podia ser mais azul e um sol que nos tostou as ventas em menos de nada...a mim porque estava com a mania que portugueses não apanham escaldões em Inglaterra, e a Heike porque é ruivinha e a pele dela é aparentada com a do Casper (Gasparzinho o fantasma) e nem o creme solar lhe serviu. Devia me ter lembrado que sou meia alemã, pois deve ter sido essa a parte que queimou, mas felizmente dois dias depois tinha passado a um bronzeado saudável. Parámos várias vezes para comer maçãs, sandes, bolachas de chocolate, encher as garrafas de água numa fonte chamada “Holy well” (okay, só eu é que enchi, pois sou psicótica) (não não apanhei febre tifóide nem salmonelas) (sim, eu sei que não de deve beber de fontes das quais não se sabe a qualidade da água), apanhar um fura-pastos (pequena cobra tipo lagartixa sem patas) (okay, fui só eu que tomei esta iniciativa, mais uma vez), alimentar dois póneizinhos gordos com maçãs (ahum...eu outra vez), e despir mais roupa, até já praticamente nuas, chegarmos a Land’s End, a ponta mais ocidental da Inglaterra.

Aí passamos da Natureza selvagem e gratuita para algo mais turístico, com a “Primeira e última casa de refrescos da Inglaterra”, fotógrafos oficiais e lojinhas de lembranças. Não gastamos um “tusto” e seguimos com o nosso prático bilhete de autocarro para Newlyn e daí para Mousehole, que não se lê “Mouse Hole” mas sim “Mou Zoule”, parece que os nativos não gostam que soe como se morassem em “Toca de rato”, preferem “Tocade-ra Tô”. Mousehole é uma pitoresca vilazinha de pescadores, qualquer coisa como Cascais há 40 anos atrás, talvez, mas às sete horas da tarde parecia uma vila fantasma, não vimos uma pessoa que fosse. Piores que as galinhas, estes ingleses.

Gememos montanha acima, sobre umas pernas que ameaçavam entrar em greve, mas a Heike parecia um general, e eu que também tenho o meu quê de militante (a minha alcunha é, como já referi, “Boss”) também não queria ficar atrás, e raios nos partissem ou não víssemos todas as vistas bonitas que os nossos olhos e cérebros pudessem armazenar. No topo da montanha não se via muito bem, por causa de casas e vegetação irritantemente colocadas, mas em compensação a minha costela de botânica ficou muito feliz ao encontrar vários ruibarbos gigantes. Ruibarbo (Rhubarb) é uma planta não muito conhecida em Portugal, assemelha-se a couve portuguesa, mas tem uns talos muito grossos, que se não apanharam sol a mais se mantém cor de rosa e que então podem ser estufados e preparados como doce. São muito ácidos, e usam-se em bolos, compotas, etc, de preferência com molhos de baunilha, Custard, custarda, como lhe quiserem chamar. Os Ruibarbos gigantes nada tem a ver com esta planta comestível, a não ser a aparência, mas são absolutamente enormes. Tiarámos uma foto comigo debaixo de uma folha que era maior que um guarda-chuva grande, com um talo da grossura do meu braço, pareço um cornish pixie...

No porto, onde eu não tirei muitas fotos, pois parecia mesmo Portugal, ainda nos deparámos com pequenos bárbaros da Cornualha, uma raça muito distinta, os quais envergavam fatos de borracha, e com gritos inarticulados se atiravam dos paredões abaixo para as águas gélidas mas límpidas do atlântico. O mais pequeno devia ter dois anos e meio, mas estava só trajado a rigor, ainda não pulava. Deve ser o ritual de iniciação.

Muito inteligentemente desta vez encontrámos a paragem desenhada no chão, embora nos sentíssemos como bonecos de monopólio, à espera no quadradinho que diz “Paragem”, e nem nos pagaram os 20.000 de termos passado a partida, e voltámos para Penzance, para um dormitório com mais duas raparigas. E uma delas ressonava mais que o Winston, e não tinha depósito. (Depósito é uma parte da anatomia de um cão, é o espaço solto do beicinho, que propicia um ressonar especialmente vibrante).

O último dia da nossa viagemzinha foi passado em Saint Ives, outra vila muito mediterrânica da qual poucas fotos tirei, com mais horas de sol impiedoso nas extremidades avermelhadas e pouco fotogénicas. Saint Ives está recheadinho de artistas e galerias, entre outras um Tate Modern Saint Ives, que odiei...ainda pensei que Francis Bacon fosse alguma coisa de jeito, pois o nome não me era estranho, mas era pavoroso...acho que eu tinha um homónimo qualquer na cabeça. Que coisas mais feias e sem jeito. Meu rico dinheiro. Caixas com bolas de ping-pong e uma ventoínha que fazia as bolas mexer...Profuuuuuuuuundo! Uma filmagem de uma onda cheia de garrafas de plástico que quebrava repetidamente contra uma rocha. O que quererá dizeeeeeer?

Comemos as famosas Cornish Pasties, um tipo de folhado em forma de rissol gigante, que eram muito boas, - uiui, agora marchava uma, - fizemos festinhas a staffordshire terriers na praia, experimentámos o famoso gelado de Cornwall...As gaivotas é que são umas pestes, arrancam literalmente os gelados das mãos das pessoas, em voo picado, na gelataria até estava um papel a avisar de que não substituíam gratuitamente gelados roubados por gaivotas (nem quis acreditar que alguém teria a cara de pau de pedir isso), e eu que levava o gelado numa mão, e um caranguejo perneta na outra era um alvo duplamente atraente. O caranguejo estava lesionado e longe de água, não era para eu comer, era só para levar até ao mar. Qualquer pessoa com uma fobia incurada de aves viverá em Saint Ives o seu pior pesadelo, pois os bichinhos fixam um olho amarelo e malicioso em nós, que até a mim me arrepiou, mas nunca me rendi. Aliás, enquanto esperávamos pelo comboio até lhes dei umas bolachas, que elas vinham buscar à mão, de modo a habituá-las pior ainda para os próximos turistas. Depois de mim o dilúvio.

Por volta das três e meia voltámos para Penzance, comprámos uma comidinha para o caminho, e fomos buscar as malas à pousada, para apanhar o comboio às 17:30 para Bristol, onde chegaríamos por volta das 10:00.

Não fosse...não fosse...

Não fosse eu ser loira e a Heike ruiva. Não fosse termos comprado fruta, que ainda precisámos lavar. Não fosse ainda termos ido às casa de banho, e termos escolhido ir até à estação por um caminho que não conhecíamos, e que se alongava em intermináveis curvas nunca mais chegando ao nosso destino.

Mas porque é que não corremos no início? Começámos só a correr quando era já uma causa perdida, as mochilas pesadas a tolherem os nossos velozes e fluidos movimentos, as malas a baterem-nos contra as formosas e longas pernas, os cabelos a flutuarem, os olhos revirados numa agonia desesperada de veado moribundo...era pois tarde...o sangue subia-nos aos rostos, dando àquelas feições marmóreas uma cor de vida falsa, um rubor do qual transparecia o cansaço, força para a luta que nos abandonava, quando vimos o comboio a pôr-se em movimento, com as demoníacas luzes vermelhas da retaguarda num esgar malicioso de quem sabe que a vitória é certa...Vida, morte, veloz, luzes ao fundo do túnel...

Acenámos em vão ao todo-poderoso deus do apito....o comboio partiu sem nós.

*Pausa para limpar lágrimas de emoção*

Voltando à realidade menos homeresca e épica, lá estávamos nós, com dois minutos de atraso a arruinarem umas fériazinhas perfeitas...parecia que era só para embirrar!

Não havia mais comboios para bristol, nem no dia a seguir.

Sentámo-nos em cima dos nossos casacos, ao sol do entardecer que, como sabiamos se iria brevemente transformar num crepúsculo cinzento e frio, passando a uma noite escura que estenderia os seus finos dedos gélidos para envolver as carnes frágeis e cansadas dos nossos corpos, talvez pela última vez...Talvez os nossos olhos contemplassem ainda as cores vivas e gloriosas da aurora, antes de fazermos do cimento cinzento a nossa última almofada, dos fieis anoraques vermelhos a nossa mortalha, e das luzes de néon da estação a nossa vela...Peço desculpa, o estilo épico tem o seu charme, não me consegui libertar de uma vez.

Havia um autocarro possível, recheado de grandes talvezes, que iria na direcção de Bristol, mas não até lá, mas era só às 20:00h, o que deixou tempo para a Heike ir dar um passeio, a ver se lhe passava a frustração, do qual demorou imenso a voltar. Eu entretanto tinha conseguido descobrir que haveria um autocarro para o aeroporto de Bristol, lá para as 21:00h, e ela não havia maneira de voltar a aparecer, suspeitei mesmo que se teria atirado ao mar, em desespero, mas quando finalmente chegou, afirmou que nem isso teria sido viável, devido à presença de mais bárbaros cornwalleses, estes maiorzitos, que com certeza não teriam hesitado em pescar uma donzela suicida. Já não se pode fazer nada!

Enfim, chgámos a Bristol pelas 3 da manhã, com dores nas costas e dores na carteira...digo vos, se calhar vale mais a pena perder um avião do que perder um comboio em Inglaterra. E agora deixemos os nevoeiros do esquecimento cobrir o infame erro.

E nunca mais ameaço escrever textos cómicos sobre pobres criaturas que perdem o avião...

Friday, 20 April 2007

It´s a Funderworld

No Domingo, dia 15 de Abril, fui com a Gina, a Claire, o Sila e o Imran ao Funderworld Themepark, uma espécie de feira popular móvel. Não pudémos ir quando estavam cá o Fil e os meus irmãos, mas para uma pessoa não ficava tão caro. Foi divertidíssimo, por 10 pounds podíamos ficar lá 4 horas e andar em tudo o que quisessemos quantas vezes os nossos estômagos aguentassem. Optámos por ir entre as 6 eas 10, pois é quando começa a escurecer, e há todo aquele ambiente de feira, com luzes, néons, cheiro a relva pisada, algodão doce e pipocas, música terrível, que só se gosta enquanto se anda de carrinhos de choque, tudo envolvido num entardecer suave de primavera.

Começámos cuidadosamente com o Wild River Trip, enfiados num Donut gigante, escorrega de água abaixo, aos guinchos, do qual emergimos de cús molhados, para passarmos para a montanha russa, onde deixámos os guinchos e passámos a gritar como mulheres sérias, tendo sido tirada uma foto desgraçante na pior parte, que tivemos que comprar, pois está hilariante: parecemos três vampiros tresloucados a perseguir uma mousse de chocolate...

Seguiram-se os aviõezinhos sobe-desce, depois para um ridículo comboio fantasma (o nosso casão, que tem um morcego verdadeiro, é mais assustador), os carrinhos de choque, e então para um daqueles carrocéis com banquinhos presos a correntes, onde as coisas começaram a correr mal para a Gina, que se debruçou graciosamente, e sem salpicos nem sons horrorosos se vomitou toda, desde a gola até ao umbigo, incluindo a mala que tinha ao colo... Tadinha, ficou tão embaraçada, mas agora somos não irmãs de sangue, mas irmãs de vómito, pois eu limpei a mala dela, e era daquelas cheias de costuras e bolsinhas...Não sei se tive todo o mérito que merecia por esta acção.

Obviamente ela não foi nos engenhos seguintes, um que era um banco preso a uma manivela, que nos girou até ficarmos com as entranhas coladas às amigdalas, mas felizes, nem ao “Jack the Ripper’s Revenge”, que era uma centrifugadora humana, muito simplesmente, que não deve fazer nada bem à mioleira, que fica ligeiramente torta, colada ao lado esquero do crânio, num montinho cinzento...mas também, não há muito que se perca.

Entretanto a fada vomitadora já sentia mais bem disposta, e quando voltámos à carga nos aviõezinhos, ela já foi. Estes aviõezinhos têm a particularidade de caberem três pessoas e as duas do lado exterior, especialmente a que está colada ao lado da parede do assento, são trespassadas pelos ossos das ancas da gorda do lado de dentro, para além de serem expremidas que nem tremoços. Eu juro que cheguei a pensar que saltava com um som viscoso, deixando somente uma pele seca e uns longos cabelos para a posterioridade, enquanto a minha alma imortal zunia em direcção ao céu azul, passando a imagem mal pintada de uma loira voluptuosa que, a julgar pela tatuagem, devia ser a Pamela Anderson. Esse deve ser um dos aspectos menos bons da fama, aparecer-se pintada a spray em todo o tipo de maquinas das feiras, vesga e mal desenhada por um chunga qualquer com aspirações artisticas... Embora haja algumas figuras bem desenhadas, verdade seja dita.

Saí do meu lugar a tempo de ver a Gina debruçar-se discretamente, vomitando o resto dos conteudos do seu delicado corpinho, não sei como é que há tanta gosma dentro de uma pessoa tão pequena, deve ter ficado absolutamente oca, depois da segunda dose.

A feira acabou ali para ela, mas a nós, os rijos, os valentes, os impossíveis de enjoar, estavamos lá para as duas piores máquinas da feira, o Super Twister, que se assemelha a uma rodinha dos ventos, com a particularidade de ter pessoazinhas presas em bancos nas pontas que não só giram à volta do eixo grande, como também sobre si mesmos, ficando de cabeça para baixo, em curva descendente, a uns (sentidos) 300kms à hora. Fantástico. Parecia que iamos morrer. Os divertimentos dos seres humanos, hein?

Fizemos pausa com o carrossel dos cavalinhos, no qual eu fiquei com o único galo, o que deu origem a piadas linguísticas em inglês, com a palavra galo, que não irei repetir aqui. Mas este foi só por brincadeira, pois continuamos a ser durões, malta da pesada, e estavamos somente a lamber as nossas feridas antes de atacarmos o Big Ben, uma torre altíssima, rodeada por um quadrado de bancos, onde as vítimas, num momento de falta de lucidez, se sentam, para então serem disparados para a estratosfera. Ao contrário do que dizemos em português, para cima posso eu bem, todos os santos ajudam aquilo a subir, mas para baixo é um horror! Ficamos suspensos a uma altura contra-natural, que nos faz encolher tudo o que temos dentro da barriga, até que fique do tamanho de uma noz muito pesada, que então, quando somos projectados em queda livre para um fim seguro, espatifados no chão de ferro a milhares de quilómetros de distância, por baixo de nós, nos salta para a garganta e faz a voz ficar como a de um hamster que respirou hélio. Aliás, tenho a certeza que enquanto eu descia acompanhada de um silvo agudo, qualquer coisa importante da minha anatomia ficara alegremente a flutuar 100 metros acima de mim, a apreciar o ar fresco, a liberdade, e a linda vista de Bristol. Tenho saudades dessa parte. Chamava-se juizo.

À volta para casa comprámos duas pizzas grandes, para comer quando chegássemos, mas cheiravam tão bem que não aguentámos levá-las mais que vinte metros, devorando-as mesmo ali, sentados na calçada.

Sunday, 15 April 2007

Invasões napoleónicas e Swansea

Dia 2 de Março de 2007

Começa então o tempo de estadia dos meus três rapazes cá em Bristol...passeamos muito, fomos a lojas de Cd’s, alimentámos os numerosos esquilos à volta do Cabot Tower, que vêm, inclusivamente, comer à mão, fizemos um jantarzinho de despedida para o Lukas, que voltou para a Republica Checa, com cogumelos à lá Filipe, entre outras iguarias, e lá insisti que se fosse ver Bath.

A culturazinha, é preciso incentivar a culturazinha...tive a destincta impressão de ouvir ameaças murmuradas e comentários aborrecidos do tipo mrblbrlbr...ping-pong...mrbl...todátarde...mrnblwrbl, mas ignorei. É que tinha cáido uma invasão de franceses sobre nós, alguns dos quais jogavam ping-pong... três rapazes e uma rapariga, sendo que um dos rapazes é francês aldrabado, pois é do Taiti, Polinésia francesa. Chama-se Patrice, e parece muito asiático. Os outros dois são a Melanie, que é a namorada do Rüdolf – pronuncia-se assim com uma boquinha muito bicuda e fechada – e o Basile. Sobre o Basile há um running joke, pois logo na primeira tarde em que eles chegaram eu estava na cozinha, e vi um potezinho de plástico com uma papa verde lá dentro, em cima da bancada. Intrigou-me bastante, e cheguei à conclusão que deveria ser uma erva qualquer passada à varinha mágica. Quando saí da cozinha, cruzei-me com o Patrice, que me perguntou se eu sabia do “Basil” (pronunciando à inglesa “Beizil”). Aí fez clique: Ele estava à procura do basil (manjericão), a papinha verde!... Pronta para ajudar anui veementemente: “Yes, yes! Is it small and green?” O rapaz fez uma cara como se eu estivesse louca de todo e respondeu “No...it’s my friend...”

Desde aí cada vez que ele menciona o Basile, quando eu estou por perto, acena na minha direcção e diz: You know, small and green! E por acaso o rapaz até é big, white and curly...

Bath foi muito tranquilo, é bem pequeno, mas deu para comprarmos lá os três livros do Mario Puzo que faltavam ao Manel, o que para ele foi o Highlight do dia, senão de toda a estadia. De resto o mais memorável lá foi um street artist que tivemos oportunidade de ver, empoleirado num monociclo de três metros de altura, e a fazer malabarismo com três tochas. O senhor era muito cómico, põs o publico todo a participar, até o Ivo, que foi chamado como assistente para segurar o monociclo: “O da T-shirt dos AC/DC, calças de ganga e nenhum sentido de estilo”...

O mais bonito por esta altura, para além do lindo tempo primaveril, no qual o resto da Europa não participa – gnihih – sei que está chuva e frio por todo o lado, são as flores. É que em Portugal não se nota tanto a diferença, pois nunca deixa de estar verde, mas aqui, de um dia para o outro, a natureza veste se de folhinhas e rebenta em flores de uma maneira que chega a ser obscena.

Comemos um pequeno-almoço inglês, feito por nós, com cogumelos refogados e tudo, que estava * * * * *, e a Gina levou-nos a um restaurantezinho Indiano onde comi um prato de frango cremoso de chorar por mais, com pão Nan. No dia seguinte, lá foram de malinhas feitas para o aeroporto, eu fiz uma choradeirazinha, telefonei à minha mãe, a avisar de que os tinha despachado, conformei-me, e....aqui presencia-se um esforço sobre-humano para não escrever um ensaio humorístico de uma página sobre o facto de terem perdido o avião. Sim, é autêntico. Tudo se encostou ao Filipe, que *surpresa* não é infalível, e deu para o torto...Voltaram que nem Dédalo, Ícaro e Pequenícaro sem asinhas, e queimdinhos, indo um dia mais tarde que previsto. Isto teve o efeito de quando foram de vez eu fiz três cruzes, não fosse o destino pensar que eu queria que voltassem mais uma vez!

Quarta, dia 11 de Abril

O Carlos planeou um passeio a Wales, Swansea e Cardiff, e eu, à última da hora, substitui o Mohamed, que tinha que fica a estudar para um exame.

Swansea fica mesmo ao pé do mar, e maravilha das maravilhas, tem uma praia gigante. Não é StºAndré, claro está, mas bastante impressionante. Havia lá muitos cães, e tive muitas saudades do meu bicho, que aparentemente está um autentico boi, com 30 kgs e uma cabeça de melancia....Mas não dá para ter tudo, ou pelo menos, não ao mesmo tempo. Tive que me contentar com apanhar conchinhas, como qualquer turista montanhês que nunca viu o mar, e caçar minhocas, pois estava tudo cheio de cocó de minhoca espiralado, e eu queria muito ver uma. Finalmente foi o Sila que achou um exeplar, que mostrámos a toda a gente. Cada um se remedeia com o que pode, sei que o meu manelinho, mais ou menos pela mesma altura, me substituiu no “Poço das cobras”, que é um poço perto da nossa casa, onde por vezes caem cobras, que depois precisam de ser resgatadas para não se afogarem. Há que mencionar mais uma vez que no Alentejo (e no resto de Portugal, exeptuando talvez duas grutazinhas nos píncaros do gerês) se pode, de plena confiança, agarrar qualquer cobra que se veja, coisa que faço desde os 8 anos, pois não há cobras venenosas, independentemente daquilo que os vossos avós dizem. Não há. E os sapos não nos fazem xi-xi para os olhos, é anatómicamente impossível, e se os segurarem por cima do olho e tal coisa acontecer, lavem, que passa! E também não sai principe se beijarem, isso vos garanto. Enfim, o Manuel retirou um exemplar bem bonito, do dito poço, mas conseguiu deixar-se morder (só me acontecu uma vez e a cobra era pequenininha), o que é embaraçoso para mim, pois retira todo o mérito à minha minhoca desdentada e mole, que não impressionou ninguém...Embora me possa vangloriar de ter enojado várias pessoas um pouco pobres de espírito. Devolvida a perigosa minhoca sem dentes à água, ainda achámos um caranguejo eremita, dentro de uma concha e tirámos 20 fotos na tentativa de apanhar uma em que o pessoal estivesse todo a saltar...parecia a onda...havia sempre alguém a saltar, sim, mas nunca todos em simultãneo, estavam sempre metade dos participantes já envolvidos em contorcidas manobras de aterragem, de joelhos tortos, enquanto o Gastor ainda se elevava que nem uma bola de canhão. Parece impossível como alguém tão redondo pula tão alto, mas talvez seja esse novo hábito que o esteja a fazer emagrecer, pois realmente ele está metade do que era. Primeiro a brriga vinha até aqui: *gravidez de 11 meses* e agora vem só até aqui: *gravidez de 7 meses*. No outro dia reparei e mencionei, ao que ele ficou todo feliz, acho que fui a primeira pessoa a reparar. E o incentivo deve ter vindo da esposa dele, pois ele foi a casa há pouco tempo, e ela deve lhe ter puxado as orelhas.

Cardiff foi como eu já conhecia, mas com sol.

No dia a seguir tinhamos outro jantar combinado, este planeado pelos franceses, que até tinham desenhado papelinhos a anunciá-lo. Primeiro ninguém estava com muita genica para cozinhar – e era suposto ser qualquer coisa típoca do país de origem – mas quando se soube que eram também os anos do Mohamed, lá toda a gente fez um esforço, e acabou por ser o jantar mais bem frequentado desde que cá estou. A Melanie tinha feito três pratos diferentes, com maior ou menor ajuda dos seus compatriotas, uma tarte de maçã, um gratinado, e uns canapés de pesto de azeitonas, tudo muito bom; eu tomei coragem e apresentei uma aletria, o que foi um acto de valentia que só conseguem compreender bem se tentarem explicar, numa língua estrangeira, a razao de fazerem massas com açúcar...Vi caras e reacções estranhas. Pensei que ia ficar a comê-la o resto da semana, mas quando voltei da cozinha, após lavar a minha colher, tinha desaparecido toda e pessoas entusiasmadas requeriam a receita. Para além da aletria, que parecia modesta, ao compará-la com os crepes (spring rolls) Vetnamitas que o Trung enrolava, ainda acrescentei uma espécie de tiramisu de bolo de chocolate e custard, com uma velinha que acendemos para cantar os parabéns em cinco ou seis língua diferentes, incluindo chinês. E em todas as línguas tem a mesma melodia.

Para a semana acho que é a vez do Rudi e do Luigi fazerem anos, portanto lá vamos nós outra vez. Temos que comprar um postal com senhoras semi-nuas para o Luigi, que é meio tarado, ou melhor, todo tarado. Mas que tem vindo a subir na nossa consideração, desde que soubemos fofocas escandalizantes sobre quase todos os outros rapazes da casa, que não vou repetir aqui. Ontem até cometi um acto que nunca pensei cometer, entrei dois passos para dentro do quarto do Luigi, a pedido dele, para ver o que ele tinha encontrado ao pesquisar “Firpolini”, endereço de email do Filipe, que aparentemente não estava a funcionar: Firpo, the Wonder-dog. Ah Filipe, és um cão de olhos esbugalhados e nunca me tinhas dito!!

Claro que isto deu para eu e a Claire rirmos duas horas, até encontrarmos outro assunto, que se propiciou quando a chegávamos a casa, depois do nosso joguinho de badminton, e ela levanta os olhos para a fassada do primeiro andar, desatando aos gritos pois Small and Green, passe o código, estava todo descascado e de cortinas escancaradas no quarto dele.

Assédio visual, é o que é.

Londres com os meus rapazes

Dia 30 de Março

Às 11 horas encontrámo-nos com os meus irmãos em Picadilly Circus. Foi engraçado vê-los de repente alí em Londres, o tempo é que estava amuado, cinzento e chuva, e assim que quisemos entrar no metro não pudémos, pois havia uma emergência qualquer...E claro que tal como após o onze de Setembro nunca mais fiquei impávida e serena à passagem rasa de um avião a jacto, as nossas mentes pensaram imediatamente “Bomba”! O Manelinho até estava convicto de que tinham dito “Bomba”, mas acho que afinal era só o alarme de incêndio que tinha disparado acidentalmente.

Como somos dados a variedade culinária, e não somos daquelas tristes figuras que onde quer que vão comem McDonalds, dirigimos os nossos passos esfomeados ao mais próximo Burger King. Quando nos sentirmos mais valentes, até haveremos de experiementar Pizza Hut. Resta mencionar que o Filipe trabalhou em Pubs, e conhece várias pessoas que trabalham ainda, e parece que só lá come quem nunca viu as cozinhas...Bom, ao fim do dia, deve ser um pouco como quase tudo o que fazemos. Mas comi mal em Cardiff, e os putos são esquisitos, logo não há lugar para experiências.

Começamos por ir a Denmark Street, a rua onde se situam as lojas de música quase todas, é que é porta sim, porta sim, e para o Filipe e o Ivo é o paraíso de sonhos por concretizar, para mim e o Manelinho é um dóiem-me as pernas de estar de pé, e ainda por cima a loja onde parámos menos tempo foi a que tinha um sofá, embirrância pura!

Depois de não podermos comprar o Steel Lap a £2000, nem a Fender Stratocaster Vintage com assinatura do Guro das cordas, aliás, nem uma harmónicazinha ou um strap, um pouco frustrados, dois terços de nós com uma certa pena de não estarem casados com multimilionárias, um terço de nós com pena de não ser uma multimilionária, e o manuel, que se estava borrifando para aquilo tudo, fomos à área das fotos, a parte de Londres onde é preciso que se faça poses estúpidas em frente aos ícones britânicos, para poder mostrar aos amigos que se esteve “lá”. Trafalgar square, a galleria nacional, Downing Street, os guardas a cavalo, Big Ben, Westminster Abbey, corremos isso tudo, para depois nos encontrarmos com o nosso anfitrião, ou melhor, o anfitrião que o Fil arranjou para os miúdos, o Daniel Cerejo. Ele no espaço de umas horas levou o Filipe de um contentamento médio com o estado das coisas até à fartura absoluta da pátria, o homem queria abandonar Portugal e ir estudar para Londres no dia a seguir, e o único impedimento era o meniiiiino, leia-se, o Winston Cão, pois por aqui são muito racistas, e não querem cá a criança. Há leis mesmo estúpidas e mal pensadas, mas agora nem vou entrar por aí... Na Alemanha é muito melhor.

Fomos para casa do daniel e da namorada, a Inês, que é de Cuba do Alentejo e um amor de pessoa, quando eu crescer também quero ser simpática. Às vezes sou, mas o Filipe também se queixa que muitas vezes vou dos zero a Bitch from Hell em cerca de 1,5 segundos...tenho que ver se trabalho nisso. Vão ver, a próxima vez que me virem, estarei doce e encantadora.

Conversa puxa conversa, ficámos todos a dormir no chão da sala do daniel, em vez de irmos para casa do Timothy, onde já tinhamos ido pôr coisas tão irrelevantes e desnecessárias quanto as malas com meias lavadas e escovas de dentes...sofremos meias recicladas e bafo de crocodilo, pelo menos eu, pois o Filipe tinha recebido uma prenda muito útil da avó carlota, que é minha avó mas também do Filipe, não perguntem como isto é possível genéticamente, mas é. É avó emprestadada, que oferece meias excelentes, de modo que só eu, que recebi outra prenda, é que fiquei a cheirar a roquefort victoriano. Aliás, agora por Roquefort, lembrei-me: sabiam que estão a querer proibir a produção de queijos que utilize leite não pasteurizado, por razões de saúde? É uma anedota, então se o processo tode de queijentação depende das bacterias que transformam o leite, como é que querem fazer isso se escaldaram as bacterias até à morte? O sidicato das BAT – bacterias árduamente trabalhadoras – vai entrar em erupção! Até espirra almesse!

Eu pessoalmente acho ridículo, com tanta porcaria que comemos com certeza não vão ser as bacterias do leite que nos fazem mal, cá a mim preocupa-me bastante mais os quimicos, aditivos alimentares e pesticidas que caramelizam as frutas que comemos, ou coisas tão aparentemente simples como uns cereais de pequeno almoço...

Passamos então a noite muito direitinhos, e com proibição absoluta de soltar gases, por razões de segurança publica.

Na manhã seguinte, que se mostrou gloriosamente solarenga conhecemos uma das muitas faces características de Londres, quando apanhámos o metro até Camden. Camden é...tudo o que é hip e colorido, e diferente, e alternativo, e multicultural, e vintage, e jovem, e irreverente. Camden é o pesadelo máximo para uns pais conservativos. Camden é uma feira gigantesca, que alastra como um ser vivo palpitante e amorfo, por ruas e vielas, por parques e armazens. Resumindo tudo isto numa frase do meu irmãozinho, que lá caíu vindo de Vila Nova da Baronia, onde nós somos os hippies malucos de roupas coloridas, e gozavam comigo na escola porque eu usava uns calções largos e cor-de-rosa, onde o Filipe é o suprasumo da irreverência visual: “Mas aqui não há pessoas normais!”...

Nunca vi tantos Punks e Góticos num só sítio, nem tantas correntes, cabedais, napas, picos, coisas fluorescentes com caveiras, riscas, pintas, botas monstruosas que parecem dinossauros bebés, pessoas que usam mesmo este tipo de acessórios no seu dia a dia...Desde raparigas japonesas vestidas de fadas manga, até àquele estilo inglês com o cabelo à Beatles, as calças de ganga pretas apertadas pela perna abaixo (que, diga-se de passagem, não favorecem 95% da humanidade, especialmente quando se tem a metade inferior da perna magrinha) e os ténis allstar, não há nada que não se veja...incluíndo pierciengs na nuca, rastas até aos joelhos, e tatuagens na testa. Calças com corte de cenoura!!! E eu a pensar que os anos oitenta eram a época da moda que bunca teria um revival...enganei-me...leggins e padrões psicadélicos em blusas-vestido estão de volta. Acho que este Verão só compro em feiras da ladra, não posso com nada do que há nas montras...

Eu orgulho-me de dizer que não comprei rigorosamente nada, fui forte e digna, o que se prendeu mais com o facto de ter sofrido saturação óptica absoluta, do que com um aumento de juizo...Quando vejo um milhão de brincos, não me dá vontade de comprar nenhuns, pois não sei por onde começar a escolher. Almoçámos por lá, na zona da comida, que é um stresse e um desafio para a integridade moral e física de qualquer um, expecialmente pessoas abaixo de 1.60metros, pois não veem nada, e são espezinhados. As barracas nutritivas ficam coladas umas às outras, e a concorrência é ininterrupta, o que faz com que todos os vendedores gritem sem parar, para chamar a atenção dos esganados para o “flied tchi-ken” deles, antes que estes se dispersem para as especialidades indianas do balcão ao lado. O preço varia entre os dois e os três pounds, e convém ter cuidado para não se ser cegado por um bocadinho de carne assada que de repente é projectado, na ponta de um pauzinho, em direcção aos focinos indecisos dos transeuntes, pelo cozinheiro que tenta usar provas palatais como incentivo. Eu recusei tudo, não quero cá subornos que me façam sentir obrigação de comer o que não quero, mas o Ivo notou, e bem, que com cara-de-pau suficiente seria possível encher a barriga só aceitando as ofertas todas, repetidas vezes.

Para acalmar um bocado e conseguir tirar o zumbido dos ouvidos, fomos então dar uma voltinha pelo Green Park que estava coberto de flores e inglese semi-desnudados. Já se sabe: raio de sol + ingles ou alemão = deitar na relva, é uma equação invariável. Até nas rotundas com relva se espojam sem o mínimo de pudor, a ler, a dormir, a namorar, a apanhar banhos de sol...Tadinhos, apanham poucos naturais, é compreensível. Digo naturais pois muitas das inglesas são de uma tonalidade castanho-alaranjada, testemunho de idas abusivas ao solário, não é por nada que foi cá que se estudou, pela primeira vez um novo tipo de dependência, que consiste em as pessoas ficarem viciadas em ir ao solário. Dizia uma miúda de 13 anos(!!) (que parecia que tinha 19) (ricos pais) que se não fosse pelo menos uma vez por dia lá, se sentia “transparente”.

O detino do nosso passeio era Buckingham Palace, que faltava assinalar com uma cruzinha, na minha lista de coisas a ver, mas que sinceramente é profundamente dispensável...Um bacamarte da mesma família que o parlamento escocês, grande, quadrado, com bocadinhos dourados e guardas com metralhadoras intimidantes. Fizemos pausa no Starbucks, para um leite com chocolate e para carregar o telemóvel, antes de irmos ao famoso Hyde Park, que é enoooorme e ainda à Saint Paul’s Cathedral, mas infelizmente era mais uma vez tarde para entrar. Tirámos muitas fotos disparatadas ao pé do Tower e da Tower Bridge, antes de pormos os miúdos em casa dos Cerejos, com uma pizza para fazerem para o jantar, e seguirmos até casa do Tim, que entretanto, agoniado com a nossa ausência, suponho, tinha cortado a mão de tal forma que tinha ido parar ao hospital. Quando ele nos disse isso, por mensagem, a meu primeiro pensamento foi: “Tomara que não tenha sido na Linguiça que lhe oferecemos!” Aqui tenho que abrir um parênteses para vos falar um pouco da Sr.Dona Linguiça, que em lisboa se chama Chouriço, mas como para cima de Évora ninguém as faz como deve ser, vê-se mesmo que os lisboetas não percebem nada daquilo que estão a dizer, por muito que detenham a norma padrão da lingua portuguesa. É uma linguiça, vulgarmente também conheçida por Lenguiça, ou linguicita, e acontece que em Vila Nova da baronia temos as melhores Linguiças do mundo. Pronto(s). Uns têm o Taj mahal, outros têm linguiça. Em tempos de fome, preferia a segunda opção, o Taj Mahal parece-me deveras indigesto. Mas voltando ao ponto: como prenda para os amigos em casa dos quais iamos ficar, levámos duas ditas cujas, pois o negócio do Tim é importar produtos portugueses para Inglaterra, e logo seria um connesseur e apreciateur, passe o Porfrancês. As meninas vinham empacotadas em não menos que quinze sacos de plástico, e mesmo assim fediam que até nos trazia as lágrimas aos olhos...Nunca vi um cheiro assim...e isto na bagagem de Vila Nova para Faro, de Faro para Bristol, de Bristol para Edinburgh, de Edinburgh para Stirling, de Stirling para Edinburgh, de Edinburgh para Londres...eu juro que não as podia ver, ou antes, cheirar, mais à frente. A linguiça mais viajada do mundo. Mas foi um successo, foi muito reverenciada e louvada, e talvez até haja possibilidade de ela trazer a família para cá, se houver negócio.

Na manhã seguinte atacámos o Tate Modern, que é uma experiência tipo Marmite (uma pasta que se barra no pão, e que não tem explicação possível), ou se ama, ou se odeia. Eu, que insisto que há que haver um pouco que seja de mestria em toda a arte, odiei. Talvez não seja sufiecientemente inteligente para compreeender a beleza de uma bola de basquete a flutuar num aquário cheio de resina transparente, ou de merda de artista enlatada – e não estou a brincar, tem lá mesmo uma obra de arte que é uma latinha, muito bem rotulada em cinco línguas, e que diz “Merda de artista”. Gostei de uma obra de um artista chamado Beuys, que é constituida por uma pequena carrinha Volkswagen, do nterior da qual saiem qualquer coisa como 30 trenós, cada um com o seu kit de sobrevievência. Estava engraçado, pois a maneira como os trenós estavam dispostos, pareciam mesmo seres vivos, uma manadazinha rumo às aventuras do Klondike... Outra interessante era uma sala vazia, com todas as paredes cobertas de linhas paralelas que pareciam de giz...obviamente não resisti a passar um dedo sujo, só para ver se saía, mas era imitação de giz. Pena. Podia ter-me orgulhado de ter dewstruído um bocadinho do Tate.

Passámos a Millenium Bridge, mais conhecida por “Wobbley Bridge”, devido ao facto de no dia da sua inauguração, com a maré de gente que se precipitou sobre ela, a estructura ter começado a balançar perigosamente, tendo que ser encerrada ainda no mesmo dia...que vergonha não deve ter passado o arquitecto! E seguimos caminho para o London Dungeon, que é uma exposição tipo comboio fantasma, mas era acima das nossas possibilidades económicas pagar para todos, e o manuel não quis ir sozinho, logo fomos antes para China Town. Em China Town andámos a admirar, mais uma vez as lojas com coisas que não conhecemos, comprei um côco fresco, envolto numan casca tipo esferovite, e o Filipe introduziu-nos todos ao prazer que é levar com um bocado de **** na língua, aquela pasta verde, japonesa. As nossas papilas gustativas rebentaram em cheias de saliva desesperada, enquanto os olhos se preparavam para abandonarem as suas orbitas, e se esbugalharem pela calçada a fora, a última onça de dignidade/masculinidade se volatilizava numa dança espasmódica e mentalmente contavam-se os 15 segundos que, consoante o Filipe, demoraria a passar. 1,1,1,1,1,1,1,1e meio, 2, 2, 2,2 ....Ficaram três montinhos carbonizados e secos no local onde tiveramos ourtora viçosas e escorregadias línguas, e enquanto o último cabelo de encaracolava, tipo saca-rolhas, no nosso crânio latejante, juramos para nunca mais. Pelo menos naquele dia. Os asiáticos que passavam riam...deviam ir a pensar que os narigudos dos europeus não aguentam nada. Mas após quinze segundos passa mesmo, embora me ficasse a arder o estômago.

Foi algures por esta altura que reparei que a minha estimada carteira não se encontrava mais entre os nós. A pobrezinha falecera ou fora abandonada algures na grande capital, senão – poir dos casos – raptada e o seu interior mais sagrado, o cartão de crédito violado até não conseguir andar. Grande irritação: cartão de crédito, multibanco, estudante, saúde... o que vale é que sou desorganizada, mas não sou maluca, perdi-a num sítio seguro em casa do Tim, de onde seguiu direitinha para Hodgkin House, a imbecil. Também não sabia avisar que estava esquecida?

Encontrámos o Daniel, a Inês e um amigo brasileiro deles para jantar, e fomos a uma pizzeria, rimos muito, já não sei de quê, só me recordo de uma coisa específica, pois foi daqueles pormenores com palavras que me ficam na cabeça: contou o brasuca que tinha ouvido uma conversa entre duas meninas brasileiras que discutiam se a forma correcta (“correta”) da palavra seria “Pobrema” ou “Porblema”, chegando á conclusão de que ambas estariam correctas, pois “Pobrema” seria quando se tratasse de assuntos relacionados com dinheiro, e “Porblema” quando fosse com o marido, ou a família, ou outra coisa.... Sem comentários.

Chegámos à estação cansadinhos, mas muito pontuais, uns 25 minutos antes da partida do autocarro, e desejosos de nos aconchegarmos e de dormirmos até Bristol. Fomos dos primeiros na fila, e o senhor olha para os nossos bilhetes e diz: Desculpe, mas estes são para amanhã...! Gelou-me tudo. Tenho alturas em que se faz noite escura à volta do meu neurónio, e confesso que são frequentes, mas naquele momento?! Quando só queriamos ir para casinha?? O Filipe insistiu que TINHAMOS que ir, e o condutor concordou em deixar-nos ir se sobrassem lugares ----*esperaansiosa*----sobraram. Ficámos foi todos separados, mas sinceramente, naquele momento não me teria importado de ir ao lado do abominável homem das neves, desde que ele fosse sossegadinho e sem fome. Não foi tão mau, fiquei ao lado de uma senhora rechonchuda, que insistia em depositar em mim um cotovelo pesado, mas quem mendiga não pode ser esquisito. Pior ficou o Manelinho, que se teve de sentar ao lado de uma versão velha do Lenny Kravitz, que ressonava esporádicamente como se estivesse a agoniar. Foi bom chegar a casa, depois de carregarmos as pesadas malas da estação rodoviária até Hodgkin House, e até me esperava uma surpresa agradável, um postal e uma carta da minha Leninha, e, maravilha das maravilhas, e é aqui que entra o Caps Lock: *capslockon* UM POSTAL DA BÉ...QUE É AMIIIIIIIGA. Gostei muito e quero mais. Já agora, só para insistir:

Sophie Luisa Fechner

Room A8

Hodgkin House,

3-7 Meridian Place

Clifton/Bristol

BS8 1JG

Não se inibam.

Monday, 9 April 2007

Escócia..Edinburgh e os famosos Highlands

Dia 26 de Março

O fim da noite chega cada vez mais rápido, o que se prende directamente com questões de forretice, ou melhor, poupadice. Os voos das 6:20h da manhã são os mais baratos, numa diferença de por vezes mais de 100 pounds para os das 10:00h, e então é nesses mesmo que vamos e vimos. Só custa a levantar, e arrumar as coisas, e não esqueçer nada, e pensar, e encontrar boa educação, e a greta entre as pálpebras por onde se vê. O resto é simples, até porque no avião se pode dormir, e comprei um livro que estou a gostar muito, “Lord of the Silver Bow”, por David Gemmell, o primeiro volume de uma trilogia sobre a guerra de Tróia. Este autor é pioneiro num género relativamente alternativo, o epic fantasy, embora este não seja própriamente fantasy. Só tenho pena de o imbecil ter esticado o pernil tão prematuramente quanto o ano passado, pois não conseguiu completar o último volume, e isto tudo porque fumava que nem uma chaminé.

Aterramos em Edinburgh pelas oito da matina, tempo cinzentinho, nevoeiroso, e com um vento que tinha uma pontaria equivalente à do próprio Apolo, para encontrar aquele bocadinho de pele entre queixo, cabelo e gola, onde mais faz falta o cachecol. Apanhámos o autocarro para o centro, e descemos em Waverley Station, de onde se tem desde já uma bela vista sobre a avenida principal, Princesse Street, que tem cerca de dois quilómetros de comprimento, do monumento de Sir Walter Scott, e também do castelo de Edinburgh, que, sentadinho no alto de uma montanha rochosa rodeada de um grande parque vedejante e coberto de narcisos e árvores com flores cor-de-rosa, é bem menos imponente do que eu esperava. Até tivemos que perguntar a um escocês transeunte se se tratava mesmo do castelo, ao que este até pensou que estavamos a gozar com a cara dele...mas é que estávamos do lado errado, de um lado parece castelo e falésia, do outro parece casa de campo e relvinha: nós estavamos neste segundo lado.

Subimos então. A meio caminho encontrei um meteorito, mas quando o atirei ao Filipe, com as palavras “Toma-lá um meteorito!” ele chutou-o ladeira abaixo. Só quando lhe chamei um ingrato desprezador de meteoritos raros e arqueológicamente valiosos é que ele reconsiderou e rastejou de cabeça para baixo para a recuperar. Parece que não tinha percebido, tomara o objecto por um bocado de alcatrão. No topo da montanha, assim que os nossos rostos suados e vermelhos surgiram acima do nível do chão, estende-se uma praça, ao fundo da qual se ergue o castelo, que então sim, é imponente. A praça é utilizada como espaço para festivais, especialmente durante o verão, festas crivadas de fogo de artifícios e kilts, que consoante os nativos e os anuncios não podemos mesmo perder...

O preço dos bilhetes é que é muito pouco recomendável, não há reduções para estudantes, e custam uns onze pounds, isso nem sequer incluindo o audio guide, ou seja, maquineta com fones que nos permita ouvir alguma histório do sítio....acho que por esse dinheiro deviam ter um guia trajado a rigor, bolas, então com tantos reformados que há, que sabem tudo e tem todo o tempo do mundo para no-lo dizer, não se arramjava um para cultivar as jovens mentes dos turistas ignorantes??? Pelo menos na catedral de Salisbury fazem assim, são os chamados “voluntary guides”, e acreditem que não tem nada a ver. Ouvir uma gravação roufenha, com uns fonezinhos escorregadios(nem queremos pensar que poderá ser de cera auricular alheia, mas é possível) que insistem em cair da orelha, de modo que se acaba com o canal audtivo três vezes do tamanho normal, de os empurrar lá para dentro, ou mesmo um telemóvel gigante com botões, com que amolgamos os abanos, de olhar meditativo, tentando com tanta força seguir o desenrolar do som tudo menos estéreo, não acabando por conseguir prestar atenção a coisas tão insignificantes como a realidade envolvente. Chiça, tirem-me lá este canhão do século XVIII da frente, não percebo op que o meu audio guide diz! Não, sou definitivamente a favor do guia escoçês, com kilt e sotaque, sff.

Vimos portanto o castelo um pouco à moda de ovelhinas que veem passar o comboio, olhando com ar de interesse, mas com pouco background.

Nas caves do castelo visitámos uma exposição chamada “Prisons of War”, prisões de guerra, pois estas divisões foram, entre 1757 e 1814, o local onde se prendiam os prisioneiros de guerra, em Edinburgh. Em 1781 estavam a abarrotar, com quase 1000 inquilinos, quase todos prisioneiros tomados durante a guerra de independência dos Estados Unidos da América, portanto americanos, mas também franceses, espanhóis e holandeses, pois estes países eram aliados dos EUA, e logo encontravam-se também em guerra com a Grã-Bretanha. A exposição mostrava muitos objectos originais, alguns fabricados pelos próprios reclusos, pois muitos deles eram talentosos artífices e conseguiam criar verdadeiras obras de arte a partir dos escassos materiais que lhes estavam à disposição. Utilizavam, por exemplo, ossos da carne que comiam e palha das camas, transformando-os em chapéus de palha, caixas para jóias que parecem mesmo mosáicos de marfim (sendo na realidade mosaicos de ossos de costeletas, não sei qual é a mania de matar os elefantes, se há um substituto tão simples) e até notas bancárias fasificadas, com as quais subornavam os guardas e poupavam para a sua vivendazinha em Albufeira ou na Riviera, quando fossem libertados.

A vida de resto, devia ser muito chata, passar-se de um herói a lutar pela independência da sua pátria, com a brisa marinha na cara, e os coiros ingleses em frente dos canhões, como o capitão John Paul Jones, a um pirata rebelde, que não tinha como passar o tempo senão a construir miniaturas dos navios que comandava, ou a esculpir grafitis nas portas de madeira grossas de uma masmorra mal iluminada...Dormindo que nem chouriços no fumeiro, cada um na sua rede piolhosa.

Quando voltamos a descer para o centro da cidade, fomos por outro caminho, mantendo os olhinhos fixos no pináculo de uma igreja de cor típicamente edinburguiana: enegrecida. A maior parte dos edifícios mais antigos nesta cidade são de pedra amarelada, que fica preta com o passar do tempo, e como são muito amigos de coisas bicudas e altas, com várias pontas, por vezes faz mesmo lembrar um bocado as torres do senhor dos anéis, Barad-dûr, e tal. Mas sem olho do mal, pelo menos enquanto não se mencionasse que se era inglês. De nada nos serviram os olhinhos fixos, pois caímos de imediato numa armadilha tão tipicamente turistica que até dá vontade de rir...Uma fábrica de tecido aos quadrados, onde podiamos seguir o processo de fabrico dos kilts, desde a lã simples, até ao design único a cada clã, que num dos cantos tinha um fotógrafo a tirar fotos a turistas vestidos com o traje típico. Podem rir, mas nós fomos! Ficámos com cinco fotos hilariantes, capazes de destruir a nossa seriedade e credibilidade durante as próximas décadas, o Filipe em traje de Rob Roy, e eu como donzela escocesa. Com espadas e tudo. Acho que não preciso mencionar que a ideia partiu de mim, o meu pobre respectivo só não teve com escapar, até teve que fazer pose heróica, com o pé em cima de uma pedra...

Entretanto o dia honrava-nos com sol, e passeamos pela Princess Street, e as ruelazinhas cheias de pubs com nomes engraçados como “Dirty Dick’s”, “Filthy McNasty’s”, “The Bad Ass”, “Bottom’s Up Bar” sempre com uma banda sonora de gaita de foles, por vezes até tocada ao vivo.

Às cinco da tarde lá acartámos as nossas malas pesadíssimas para Haymarket Station, que infelizmente era do lado oposto de Princess Street, para nos encontrarmos com o amigo de juventude da minha avó, Peter Duff, e a sua esposa alemã.

Os primeiros vinte minutos do encontro foram um horror, eu juro que só queria desaparecer, não percebia nada do que o homem me dizia, em escocês cerrado, a mulher dele parecia amuada, não dizendo uma palavra, estavam cheios de planos para nós o que ia estragar os nossos planos de irmos a Loch Ness, visita para a qual já tinhamos marcádo bilhetes, e ainda por cima o Peter estava só a falar mal dos ingleses e a implicar com o Filipe, que já nem dizia nada...O Filipe sem falar, imagine-se!

Em casa deles esperava-nos um jantar típicamente alemão, com batatas, guisado, legumes cozidos, e cinco pratos, para o nosso espanto...Então não é que eles tinham um filho, do qual nunca falam, e que foi bem descrito numa frase do Filipe, que me sussurou, de olhos arregalados: “Eles têm um Quasimodo!”.

Quarenta e um anos, quarenta e um quilos de barriga proeminente e redonda, uns olhos mais esbugalhados e redondos que um sapo, a olharem camaleónicamente em direcções opostas, os antebraços e cotovelos cobertos de psoriase, e quarenta e um minutos de silêncio. O homem não nos dirigiu uma palavra ou um olhar directo, durante o tempo que lá estivemos, está sempre agarrado ao computador, ou a cochichar com a mãe, foi despedido do seu trabalho como porteiro num hotel, enfim, este era o Robbie.

O dia seguinte, consegui levar a cabo que fossemos a Edinburgh mais uma vez, pois eles tinham planeado uma viagemzinha até aos Highlands para quarta-feira, o que implicou que cancelássemos Loch Ness (fiquei sem conhecer a minha prima Nessie, fica para a próxima), o que vale é que nos reembolsaram o dinheiro sem discussão, e ainda nos queriam mostrar as atracções turísticas de Sterling, a vila onde vivem, de modo a que estavamos a ver que nunca mais teríamos um momento a sós...Argumentámos que ainda precisávamos de subir o Arthur’s Seat, uma montanha no meio da cidade, que como todas as montanhas parece mais fácil de subir quando se está longe, a olhar para ela do conforto de um café, do que quando efectivamente se está a rastejar falésia acima. Ninguém nos disse que era bastante cansativo e moroso, especialmente quendo se toma um percurso erróneo que implica a ascensão suada a uma montanha média, a quel depois se tem de voltar a descer, para então re-começar uns 1000 metros abaixo do nível do mar. Tinha relva linda, toda a montanha, com uma terrinha fofa por baixo, parecia carpete, e estou convenciada que vi um lemingue, mas que era mais alta do que eu pensava, era.

No picarinho tinha farrapos de nevoeiro flutuando com o vento, que passavam por nós, e entre as rochas cinzentas salpicadas de corvos negros, um cenário muito dramático e místico, quase podíamos ver o lendário rei Arthur, e Dom Sebastião também, já agora, de cabelos ao vento, nos seus cavalos, entre as brumas...eramos, no entanto, trazidos de volta para a realidade quando os corvos, com um Cráááu! Triunfante, se preciptavam sobre algo tão prosáico como uma codea de sandes de maionese e atum, numa caixa de papelão do Subway. Fiquei enojada. Maionese de atum, ainda de fosse veado fumado, ou um cozido de lebre sobre chama aberta...É que nem eu consigo manter de pé uma fantasia arturiana com tais adereços

Estragaram tudo. O rei Arthur transformou se de volta no estudante dinamarquês com a máquina digital, D.Sebastião encolheu e engordou, cresceu uma carapinha de caracóis castanhos e uma saia de ganga, e até os corvos afinal eram pombos gordos e possívelmente cheios de colesterol. (esta parte não é verdade, eram mesmo dramáticos corvos, tenho provas fotográficas. Tomem!)

Tinhamos lido em panfletozinhos turísticos que ainda teríamos que ver o Parlamento e o Palácio de Holyrood House, e foi o que fizemos, embora não pagássemos 13 pounds de entrada para o palácio, vimos só por fora. Os dois edifícios ficam em frente um do outro, e não poderiam ser mais destoantes: o palácio é lindo lindo, com umas grades de ferro forjado à volta de um jardim que alberga toda a beleza e suavidade da Primavera escocesa, construido de pedra cinzenta, romanesco e romântico, enquanto que o Parlamento, que os escoseses adoram pelo simples facto de que representa uma vitória da sua independência e identidade nacional, e um gesto obsceno em direcção aos colonizadores ingleses, é uma construção muito moderna, aliás, acho que o arquitecto morreu há muito pouco tempo, e é supostamente uma representação estilizada de um barco...A mim parrecia me um mamarracho anguloso, coberto de andaimes, pois tem ripas de madeira verticais pregadas a todas as janelas, deve ser para dar um ar náutico, tipo remos, ou o caso de um barco.

A comida em casa dos Duffs era muito boa...ocorre-me isto agora, pois no momento em que escrevo tenho três items alimentares no meu armário: Massas chinesas, sardinhas enlatadas e leite, que mesmo com a melhor das vontades não consigo combiná-lo num almoço apresentável, e mesmo com a melhor das vontades também não consigo ir às compras, pois apesar de ter vontade, não me apetece, e então penso na comida que já comi...Fizeram-nos um pequeno almoço escoçês, que é como o pequeno almoço inglês, mas só que acrescenta Haggis, que é uma especialidade nacional que consiste em coisinhas do interior de animais, tipo fígado e rins, dentro de um estômago de ovelha (mas acaba por parecer morcela, não é dramático) e Black Pudding, que é um chouriço de sangue. Eu prescindi destes dois, pois disse logo que não gosto de interiores nem de olhos e coisas do género, mas o Filipe, que sofre muito de uma coisa chamada boa educação, lá teve que comer. Mas estava muito bom, com ovinhos biológicos, baconzinho, baked beans, os tais feijões em molho de tomate que são tão apreciados nestas ilhas, cogumelos refogadinhos e tomate frito....Ai, ai, agora marchava um... E o Trifle então...Trifle é uma sobremesa típica destas ilhotas, e parece inventada por loucos: são camadas de palitos LaReine demolhados em Sherry, frutas, gelatina, Custard (tipo leite creme)e chantilly, mas tudo junto fica uma delícia...vou fazer, quando estiver de volta em Portugal.

Na Quarta-feira saímos cedo, o Robbie não foi, *suspiro de alivio*, (nem dormi com uma visão perturbadora na cabeça: eu, entalada entre o Filipe e quarenta e um anos, quilos de barriga e minutos de silêncio, no banco de trás de um carro..., mas estou a ser mázinha, e vou parar imediatamente, peço desculpa.) e seguimos de Stirling para Perth, daí para o Aberdeenshire, onde apesar de ser Shire, não vimos hobbits choramingas, para o meio das Grumpian Mountains, passando Balmoral (pausa para: oooohhhhhh...aaaaahhhhh de admiração e reverência) e chegando finamente ao nosso destino, a vilazinha de Ballater.

Isto sim, é a Escócia como imaginamos...montanhas acastanhadas, rasgadas por persistentes bancos de neve, tojo espinhoso, com flores amarelas encostado a muros de pedra natural, que se estendem montanha acima, riachos cheios de pedras cobertas de algas, e pequenas cascatas...Manadas de veados, deitados ao sol, a ruminar, bandos de perdizes e inúmeros faisões – Portugal tem mesmo que fazer qualquer coisa pela sua fauna, é uma vergonha, não se vê uma porcaria de um pardal, daqui nada – grupos de árvores, que de quando em quendo se densificavam para formar florestas, que chilreavam de passarinhos...A máquina fotográfica não parava.

Fizemos uma caminhada pelo Balmoral Estate, não vimos o próprio castelo de perto, só ao longe, através das árvores, pois não era época de visitas, mas fomos ao Loch Muick (lê-se Loccchhhhh - assim um chcchc bem puxado, tipo escarro alemão – Mick), que deve ser muito mais lindo que o Loch Ness, pois não tem a loucura do turismo lá à volta, com monstrinhos de borracha a cada passo, e ainda tem a vantagem de ser rodeado por montanhas escarpadas, Bens e Glenns, em escocês: montanhas e vales, aumentando ainda o já de si elevado valor pitoresco. Aye, whe felt quite whee. (Os escoceses dizem sempre “Aye” em vez de “Yes”, e “Whee” em vez de “small”, ou “little”)

Fiz o Filipe tirar várias fotos de mim a correr pelo cenário, pois o meu irmão tinha dito que é absolutamente imprescindível que se corra pelos Highlands, o que o miúdo não sabe é que o terreno é irregular e pantanoso, e quase ficávamos com umas fotografias embaraçosas: eu a cravar a minha penca real no chão húmido dos Highlands, de cabelo a flutuar heróicamente...O Filipe diz que vimos filmes épicos demais, que nos estão a perturbar a cabeça.

A esta altura já nós nos tinhamos habituados aos nossos anfitriões, o Filipe tinha passado o serão a beber Rosé, Whiskey escocês E cerveja com o Peter (coitado do Filipe, ele não gosta de rosé, e odeia Whiskey, lá está, a boa educação...tsts, ainda bem que a minha e mais reduzida, e não me obriga a tais sacrifícios...) e nada como isso para forjar logo uma amizade! Eles foram incrívelmente amáveis connosco, trataram-nos como os seus netos perdidos, acho que o Peter deve ter tido uma paixoneta pela minha avó, pois não encontro outra explicação...e ele faláva dela com um carinho e admiração...e há que notar que não se veem há uns vinte anos! Será que eu tenho amigos assim?

Passámos a noite em Ballater, numa encantadora casinha em regime de Bed&Breakfast, que pertence a uma ex-vizinha dos Duffs, que durante muitos anos foram donos da Hospedaria ao lado. O quarto era um luxo, e não nos deixáram pagar um pence que fosse, para além de nos convidarem para jantar num restaurante do outro lado da rua, o “Auld Kirk”, note-se, mais uma vez, o parentesco com o almão: em toda a Inglaterra se diz “Old Church”, mas em alemão é “Alte Kirche”...Era mesmo uma igreja, remodelada para fazer uma hospedaria com restaurante, nem sabia que isso era permitido, mas estava muito chique...confesso que tive que pedir a “tradução” de pelo menos um termo por cada prato da ementa, até tenho pena de não ter apontado os palavrões, aposto que eram inventados...

Acabámos todos por pedir o Aberdeen Angus Steak, bife de vacas especiais escosesas, e posso dizer sem dúvida que foi o melhor bife que comi nos dias da minha vida. Nem vos vou aborrecer om mais verborreia, pois não tem descrição possível. Se lá passarem, experimentem.

De volta a Stirling, aprendemos que estávamos redondamente enganados ao pensar que se tratava de uma vilazinha secante...Stirling é uma dos sítios mais carregados de história na Escócia, e até aparece com uma bolinha vermelha no mapa que comprei do Reino Unido! Há mesmo um ditado popular que diz “He who holds Stirling, holds Scotland”.

Eram três as coisas que o Peter nos queria mostrar, no escasso tempo que nos restava: Stirling castle, The National Wallace Monument, e o campo de batalha de Bannockburn.

Tivemos visita guiada por Stirling Castle, cuja história e apresentação aos turistas está dividida em três partes: A corte dos Stewards, pois o castelo foi a base da corte real escosesa durante muito tempo, A defesa do Reino, sendo que a posse desta fortaleza fulcral flutuou bastante nos ultimos 900 anos, havenso disso numerosas marcas, e finalmente a história militar, pois após a corte royal abandonar o castelo este serviu de quartel militar e de campo de treino, sendo então adaptado para alojar centenas de soldados. Visitámos também o Argyll and Sutherland Highlanders’ Regimental Museum, onde se pode explorar mais de 200 anos da história deste regimento, que foi sem dúvida a parte preferida do Peter, ele próprio um ex-militar.

Daí seguimos para o Wallace Monument, que se ergue majestoso numa colina cheia de árvores, e é realmente bonito. Data de 1860, e na altura foi um verdadeiro desafio, não só arquitecturalmente, com os seus 67metros de altura, e 246 degraus alternados com quatro andares, mas também a nível monetário e político, pois rebentou com o orçamento previsto por várias vezes, acabando por custar o quadruplo do valor inicialmente projectado, e foi um pomo da discordia entre todo o tipo de figuras, desde os arquitectos que participaram no concurso dos planos, até aos Escoseses e os ingleses como nações, mais uma vez, devido a um projecto que passava por um leão gigantesco (Escócia) a esborrachar uma espécie de quimera-neptuno, bastante feiosa, que alegoricamente representaria Inglaterra. O projecto foi recusado como demasiado anti-inglês, vá se lá saber porquê...

Assim que chegámos à base do castelo, deparámo-nos com uma estátua de pedra, recente, e num estilo moderno, que representava Wiliam Wallace...tinha o nariz partido, mas quem poderia ser, a não ser o herói nacional, até porque era isso que estava escrito na plaquinha de bronze aos pés do senhor. Mas porque é que alguém partiria o nariz ao Wallace? Teria que ter sido com certeza um inglês...Magicando nisto, olhei a estátua melhor, e senti uma picadinha de vergonha, pois como a maior parte de nós (atrevo-me a enunciar esta suposição), tudo, ou 90% do que sei sobre William Wallace, retirei-o do (fantástico) filme “Braveheart”, e confesso que a estátua era a cara chapada do Mel Gibson...(exeptuando o nariz partido, que eu saiba o Sr.Gibson mantém-se na posse do dele). Nem quis dizer nada, pois o Filipe já tem a mania que só não me casei ainda com o actor porque não tive oportunidade, e se eu mencionasse que vejo a cara do homem numa inocente estátua, aí então é que perdia toda a credibilidade. Li o placar que explicava a estátua, e não é que era “uma imagem de William Wallace, tal como ele é representado por Mel Gibson, no filme Braveheart”... Não é que o escultor também sofria de fontes históricas pouco fidedignas??? Estava explicado a pedrada aos focinhos da criatura, alguém que achou pouco respeitoso porem as ventas de um actor australiano no seu herói nacional...O Filipe sentiu profunda simpatia com o apedrejador, ainda quis arrancar a cabeça à estátua, mas não tinha trazindo a picareta.

O Peter Duff acha que o filme está bem conseguido, e que teve um papel importante na consciencialização das faixas etárias mais jovens para a história do seu país, mas há que ser tudo com peso e medida, não?

No primeiro andar vimos uma exposição sobre a vida de William Wallace e o que o fez herói da Escócia, a sua incansável luta pela independência e liberdade, a sova que administrou aos ingleses em 1297, na batalha de Stirling Bridge, a escassos quilómetros dali, quando com o seu exército de escoceses ligeiros em kilts fez uma emboscada às tropas inglesas num local estratégico, uma ponte pela qual não poderiam passar mais do que dois ou três cavaleiros ingleses de uma vez, assim anulando a vantagem da superioridade numérica dos inimigos, que, em pãnico, se afogaram às centenas no rio e nos pântanos adjacentes, dos quais não conseguiam fugir, carregados de armaduras. A espada de Wallace também pode ser admirada neste andar, é quase do meu tamanho, o que leva a concluir que o seu portador, que teria de a manusear com balanço e resistência, ao longo de uma batalha, tivesse que ter sido um homem excepcionalmente grande e forte.

No segundo andar, há uma exposição de vários bustos de mármore de grandes escoceses ao longo do tempo, desde Robert the Bruce, o rei escocês que se seguiu ao periodo de revolta que amainou com a morte de Wallace, passando por John Nox, Robert Burns, e Sir Walter Scott, o terceiro andar é dedicado ao monumento em si, à sua construção e origem, e finalmente do topo tem se uma vista admirável, sobre a paisagem até Ben Lomond, o rio Forth, a cidade de Stirling e os montes de Ochil e Pentland. E até encontrámos lá dois compatriotas, uma senhora e o seu filho, de Lisboa.

Para grande satisfação do Peter, após descermos os 246 degraus, e chegarmos lá abaixo tontos que nem baratas, ainda sobrava tempo para irmos ao campo de batalha de Bannockburn, o que penso que o levou a perdoar o nosso descaramento de desrespeitarmos os planos dele e irmos dois dias para Edinbugh em vez de um...

O campo da batalha de bannockburn é menos impressionante, mas foi interessante pisarmos o mesmo solo no qual em Junho de 1314 Robert the Bruce derrotou o exército ingles, debaix de Edward II, numa das batalhas mais decisivas da história da luta pela independência da Escócia. Robert the Bruce tinha-se revoltado contra o domínio inglês, após, impondo um cerco a Sterling castle, e sendo finalmente aclamado como Robert I da Escócia. Está uma grande estátua dele no local.

No dia seguinte, às três da manhã, estávamos a pé, para apanhar o voo económico das seis e vinte, até nos sentimos mal, pois eles insitiram em levar-nos ao aeroporto...dormimos até Luton Airport

Tuesday, 3 April 2007

Ginásio...ou em brasileiro: A academia

Dia 22 de Março de 07...

Ontem mudei de quarto...sim, para grande desilusão das gaivotas já não habito mais o quarto 314 (tenham isso em conta ao escreverem os NUMEROSOS postais que por aqui recebo...pfff), e o Calvin pode bem gritar toda a noite e todo o dia, que eu não o ouvirei mais! Quanto às gaivotas, tenho a sensação distincta de que já vislumbrei algumas espias a circularem à volta do edifício, para decobrirem onde estou, mas ainda é cedo para falar.

Demorei horas a subir e a descer as inúmeras escadas, com as também inúmeras porcarias que já acumulei, acho que presenteei os outros residentes com um espectáculo caricato, houve mesmo uma vez que só se via um braçinho magro e tentativo, que terminava numa grande mão avermelhada, a apalpar caminho. O resto estava escondido por detrás de um rolo de cobertores e casacos, cuja única vantagem prática era proteger o meu esqueleto quando caísse escadas abaixo.

O meu novo quarto, o A8, pouco maior é que o anterior, e a janela é mesmo manifestamente mais minúscula, o que é uma pena, pois não sou flor que se dê às escuras, faz-me aflição, mas seja como fôr, poderei cá ter o Filipe dentro, com toda a legalidade, e isso vale por tudo.

Quando acabei estava esfomeada, mas é a última vez que compro carne picada cá na inglaterra, já vem empacotada, e então não há como escapar àqueles bocadinhos de nervuras, que a mim pessoalmente me estragam todo o prazer de comer. E as minhas almôndegazinhas que estavam tão boas, e feitas com tanto carinho. Nenhuma maior que uma boga (aqueles berlindes grandes, que deixam a unha roxa quando a pessoa inexperiente tenta atirá-los), tinha passado pelo menos vinte minutos a moldá-las, tipo escaravelho sagrado do egipto, para não dizer outra coisa.

Depois hoje de manhã, pelas 9:30, destituida de toda a sanidade mental e orgulho, lá me juntei às hordas.

Às hordas de pessoas que pagam para trabalhar que nem cães, empoleirados, estendidos, agarrados e entalados em máquinas infernais. Suados, vermelhos, cansados e com os músculos a doer. Sim, fiz o meu gym induction, para aprender a usar os engenhos de tortura, e começei de imediato. Visto de um ponto de vista extraterrestre, deve parecer uma coisa louca...as pessoas parecem hamsters, sinceramente. Haviamos era de ser ligados a um gerador, para não se gastar toda aquela energia cinética em vão. Verifica-se realmente uma inversão de valores: dantes os mais pobrezinhos trabalhavam árduamente, para ganharem o pão com o suor do seu rosto,(ou para que outrém, no suor dos seus rostos, pudesse comer presunto) eram magrinhos e comiam cereais integrais e vegetais cultivados nas hortinhas, enquanto os mais abastados não se mexiam mais do que o necessário, comiam grandes quantidades de carne, ficavam com gota, e orgulhavam-se dos seus cereais caros, refinados e branquinhos.

Hoje em dia, os com algumas posses pagam caríssimo para poderem suar nos referidos engenhos, - de uma maneira que recusariam fosse isso qualquer tipo de trabalho pago - , para ficarem magrinhos, comendo integralidades cujo preço se inverteu, em comparação com os refinados, e legumes pequenos cheios de terra “biológicos”, enquanto os mais pobres tendem para a obesidade, muitas vezes, sentados a verem televisão e a comerem o novo Pão-rico sem códea, sem miolo, sem farinha, sem textura, sem glúten, sem lactose, sem a parte da códea que não tem códea, mas em compensação com nonocromas de provitarol fy, bifhydus hidrogenados, altéher ex-aging e sabe o Diabo o que mais.

Após o ginásio ainda fui jogar volley, com a Camila. Foi pena não podermos ficar as duas horas, mas tinhamos aula às 14:00h.