Dia 30 de Março
Às 11 horas encontrámo-nos com os meus irmãos em Picadilly Circus. Foi engraçado vê-los de repente alí em Londres, o tempo é que estava amuado, cinzento e chuva, e assim que quisemos entrar no metro não pudémos, pois havia uma emergência qualquer...E claro que tal como após o onze de Setembro nunca mais fiquei impávida e serena à passagem rasa de um avião a jacto, as nossas mentes pensaram imediatamente “Bomba”! O Manelinho até estava convicto de que tinham dito “Bomba”, mas acho que afinal era só o alarme de incêndio que tinha disparado acidentalmente.
Como somos dados a variedade culinária, e não somos daquelas tristes figuras que onde quer que vão comem McDonalds, dirigimos os nossos passos esfomeados ao mais próximo Burger King. Quando nos sentirmos mais valentes, até haveremos de experiementar Pizza Hut. Resta mencionar que o Filipe trabalhou em Pubs, e conhece várias pessoas que trabalham ainda, e parece que só lá come quem nunca viu as cozinhas...Bom, ao fim do dia, deve ser um pouco como quase tudo o que fazemos. Mas comi mal em Cardiff, e os putos são esquisitos, logo não há lugar para experiências.
Começamos por ir a Denmark Street, a rua onde se situam as lojas de música quase todas, é que é porta sim, porta sim, e para o Filipe e o Ivo é o paraíso de sonhos por concretizar, para mim e o Manelinho é um dóiem-me as pernas de estar de pé, e ainda por cima a loja onde parámos menos tempo foi a que tinha um sofá, embirrância pura!
Depois de não podermos comprar o Steel Lap a £2000, nem a Fender Stratocaster Vintage com assinatura do Guro das cordas, aliás, nem uma harmónicazinha ou um strap, um pouco frustrados, dois terços de nós com uma certa pena de não estarem casados com multimilionárias, um terço de nós com pena de não ser uma multimilionária, e o manuel, que se estava borrifando para aquilo tudo, fomos à área das fotos, a parte de Londres onde é preciso que se faça poses estúpidas em frente aos ícones britânicos, para poder mostrar aos amigos que se esteve “lá”. Trafalgar square, a galleria nacional, Downing Street, os guardas a cavalo, Big Ben, Westminster Abbey, corremos isso tudo, para depois nos encontrarmos com o nosso anfitrião, ou melhor, o anfitrião que o Fil arranjou para os miúdos, o Daniel Cerejo. Ele no espaço de umas horas levou o Filipe de um contentamento médio com o estado das coisas até à fartura absoluta da pátria, o homem queria abandonar Portugal e ir estudar para Londres no dia a seguir, e o único impedimento era o meniiiiino, leia-se, o Winston Cão, pois por aqui são muito racistas, e não querem cá a criança. Há leis mesmo estúpidas e mal pensadas, mas agora nem vou entrar por aí... Na Alemanha é muito melhor.
Fomos para casa do daniel e da namorada, a Inês, que é de Cuba do Alentejo e um amor de pessoa, quando eu crescer também quero ser simpática. Às vezes sou, mas o Filipe também se queixa que muitas vezes vou dos zero a Bitch from Hell em cerca de 1,5 segundos...tenho que ver se trabalho nisso. Vão ver, a próxima vez que me virem, estarei doce e encantadora.
Conversa puxa conversa, ficámos todos a dormir no chão da sala do daniel, em vez de irmos para casa do Timothy, onde já tinhamos ido pôr coisas tão irrelevantes e desnecessárias quanto as malas com meias lavadas e escovas de dentes...sofremos meias recicladas e bafo de crocodilo, pelo menos eu, pois o Filipe tinha recebido uma prenda muito útil da avó carlota, que é minha avó mas também do Filipe, não perguntem como isto é possível genéticamente, mas é. É avó emprestadada, que oferece meias excelentes, de modo que só eu, que recebi outra prenda, é que fiquei a cheirar a roquefort victoriano. Aliás, agora por Roquefort, lembrei-me: sabiam que estão a querer proibir a produção de queijos que utilize leite não pasteurizado, por razões de saúde? É uma anedota, então se o processo tode de queijentação depende das bacterias que transformam o leite, como é que querem fazer isso se escaldaram as bacterias até à morte? O sidicato das BAT – bacterias árduamente trabalhadoras – vai entrar em erupção! Até espirra almesse!
Eu pessoalmente acho ridículo, com tanta porcaria que comemos com certeza não vão ser as bacterias do leite que nos fazem mal, cá a mim preocupa-me bastante mais os quimicos, aditivos alimentares e pesticidas que caramelizam as frutas que comemos, ou coisas tão aparentemente simples como uns cereais de pequeno almoço...
Passamos então a noite muito direitinhos, e com proibição absoluta de soltar gases, por razões de segurança publica.
Na manhã seguinte, que se mostrou gloriosamente solarenga conhecemos uma das muitas faces características de Londres, quando apanhámos o metro até Camden. Camden é...tudo o que é hip e colorido, e diferente, e alternativo, e multicultural, e vintage, e jovem, e irreverente. Camden é o pesadelo máximo para uns pais conservativos. Camden é uma feira gigantesca, que alastra como um ser vivo palpitante e amorfo, por ruas e vielas, por parques e armazens. Resumindo tudo isto numa frase do meu irmãozinho, que lá caíu vindo de Vila Nova da Baronia, onde nós somos os hippies malucos de roupas coloridas, e gozavam comigo na escola porque eu usava uns calções largos e cor-de-rosa, onde o Filipe é o suprasumo da irreverência visual: “Mas aqui não há pessoas normais!”...
Nunca vi tantos Punks e Góticos num só sítio, nem tantas correntes, cabedais, napas, picos, coisas fluorescentes com caveiras, riscas, pintas, botas monstruosas que parecem dinossauros bebés, pessoas que usam mesmo este tipo de acessórios no seu dia a dia...Desde raparigas japonesas vestidas de fadas manga, até àquele estilo inglês com o cabelo à Beatles, as calças de ganga pretas apertadas pela perna abaixo (que, diga-se de passagem, não favorecem 95% da humanidade, especialmente quando se tem a metade inferior da perna magrinha) e os ténis allstar, não há nada que não se veja...incluíndo pierciengs na nuca, rastas até aos joelhos, e tatuagens na testa. Calças com corte de cenoura!!! E eu a pensar que os anos oitenta eram a época da moda que bunca teria um revival...enganei-me...leggins e padrões psicadélicos em blusas-vestido estão de volta. Acho que este Verão só compro em feiras da ladra, não posso com nada do que há nas montras...
Eu orgulho-me de dizer que não comprei rigorosamente nada, fui forte e digna, o que se prendeu mais com o facto de ter sofrido saturação óptica absoluta, do que com um aumento de juizo...Quando vejo um milhão de brincos, não me dá vontade de comprar nenhuns, pois não sei por onde começar a escolher. Almoçámos por lá, na zona da comida, que é um stresse e um desafio para a integridade moral e física de qualquer um, expecialmente pessoas abaixo de 1.60metros, pois não veem nada, e são espezinhados. As barracas nutritivas ficam coladas umas às outras, e a concorrência é ininterrupta, o que faz com que todos os vendedores gritem sem parar, para chamar a atenção dos esganados para o “flied tchi-ken” deles, antes que estes se dispersem para as especialidades indianas do balcão ao lado. O preço varia entre os dois e os três pounds, e convém ter cuidado para não se ser cegado por um bocadinho de carne assada que de repente é projectado, na ponta de um pauzinho, em direcção aos focinos indecisos dos transeuntes, pelo cozinheiro que tenta usar provas palatais como incentivo. Eu recusei tudo, não quero cá subornos que me façam sentir obrigação de comer o que não quero, mas o Ivo notou, e bem, que com cara-de-pau suficiente seria possível encher a barriga só aceitando as ofertas todas, repetidas vezes.
Para acalmar um bocado e conseguir tirar o zumbido dos ouvidos, fomos então dar uma voltinha pelo Green Park que estava coberto de flores e inglese semi-desnudados. Já se sabe: raio de sol + ingles ou alemão = deitar na relva, é uma equação invariável. Até nas rotundas com relva se espojam sem o mínimo de pudor, a ler, a dormir, a namorar, a apanhar banhos de sol...Tadinhos, apanham poucos naturais, é compreensível. Digo naturais pois muitas das inglesas são de uma tonalidade castanho-alaranjada, testemunho de idas abusivas ao solário, não é por nada que foi cá que se estudou, pela primeira vez um novo tipo de dependência, que consiste em as pessoas ficarem viciadas em ir ao solário. Dizia uma miúda de 13 anos(!!) (que parecia que tinha 19) (ricos pais) que se não fosse pelo menos uma vez por dia lá, se sentia “transparente”.
O detino do nosso passeio era Buckingham Palace, que faltava assinalar com uma cruzinha, na minha lista de coisas a ver, mas que sinceramente é profundamente dispensável...Um bacamarte da mesma família que o parlamento escocês, grande, quadrado, com bocadinhos dourados e guardas com metralhadoras intimidantes. Fizemos pausa no Starbucks, para um leite com chocolate e para carregar o telemóvel, antes de irmos ao famoso Hyde Park, que é enoooorme e ainda à Saint Paul’s Cathedral, mas infelizmente era mais uma vez tarde para entrar. Tirámos muitas fotos disparatadas ao pé do Tower e da Tower Bridge, antes de pormos os miúdos em casa dos Cerejos, com uma pizza para fazerem para o jantar, e seguirmos até casa do Tim, que entretanto, agoniado com a nossa ausência, suponho, tinha cortado a mão de tal forma que tinha ido parar ao hospital. Quando ele nos disse isso, por mensagem, a meu primeiro pensamento foi: “Tomara que não tenha sido na Linguiça que lhe oferecemos!” Aqui tenho que abrir um parênteses para vos falar um pouco da Sr.Dona Linguiça, que em lisboa se chama Chouriço, mas como para cima de Évora ninguém as faz como deve ser, vê-se mesmo que os lisboetas não percebem nada daquilo que estão a dizer, por muito que detenham a norma padrão da lingua portuguesa. É uma linguiça, vulgarmente também conheçida por Lenguiça, ou linguicita, e acontece que em Vila Nova da baronia temos as melhores Linguiças do mundo. Pronto(s). Uns têm o Taj mahal, outros têm linguiça. Em tempos de fome, preferia a segunda opção, o Taj Mahal parece-me deveras indigesto. Mas voltando ao ponto: como prenda para os amigos em casa dos quais iamos ficar, levámos duas ditas cujas, pois o negócio do Tim é importar produtos portugueses para Inglaterra, e logo seria um connesseur e apreciateur, passe o Porfrancês. As meninas vinham empacotadas em não menos que quinze sacos de plástico, e mesmo assim fediam que até nos trazia as lágrimas aos olhos...Nunca vi um cheiro assim...e isto na bagagem de Vila Nova para Faro, de Faro para Bristol, de Bristol para Edinburgh, de Edinburgh para Stirling, de Stirling para Edinburgh, de Edinburgh para Londres...eu juro que não as podia ver, ou antes, cheirar, mais à frente. A linguiça mais viajada do mundo. Mas foi um successo, foi muito reverenciada e louvada, e talvez até haja possibilidade de ela trazer a família para cá, se houver negócio.
Na manhã seguinte atacámos o Tate Modern, que é uma experiência tipo Marmite (uma pasta que se barra no pão, e que não tem explicação possível), ou se ama, ou se odeia. Eu, que insisto que há que haver um pouco que seja de mestria em toda a arte, odiei. Talvez não seja sufiecientemente inteligente para compreeender a beleza de uma bola de basquete a flutuar num aquário cheio de resina transparente, ou de merda de artista enlatada – e não estou a brincar, tem lá mesmo uma obra de arte que é uma latinha, muito bem rotulada em cinco línguas, e que diz “Merda de artista”. Gostei de uma obra de um artista chamado Beuys, que é constituida por uma pequena carrinha Volkswagen, do nterior da qual saiem qualquer coisa como 30 trenós, cada um com o seu kit de sobrevievência. Estava engraçado, pois a maneira como os trenós estavam dispostos, pareciam mesmo seres vivos, uma manadazinha rumo às aventuras do Klondike... Outra interessante era uma sala vazia, com todas as paredes cobertas de linhas paralelas que pareciam de giz...obviamente não resisti a passar um dedo sujo, só para ver se saía, mas era imitação de giz. Pena. Podia ter-me orgulhado de ter dewstruído um bocadinho do Tate.
Passámos a Millenium Bridge, mais conhecida por “Wobbley Bridge”, devido ao facto de no dia da sua inauguração, com a maré de gente que se precipitou sobre ela, a estructura ter começado a balançar perigosamente, tendo que ser encerrada ainda no mesmo dia...que vergonha não deve ter passado o arquitecto! E seguimos caminho para o London Dungeon, que é uma exposição tipo comboio fantasma, mas era acima das nossas possibilidades económicas pagar para todos, e o manuel não quis ir sozinho, logo fomos antes para China Town. Em China Town andámos a admirar, mais uma vez as lojas com coisas que não conhecemos, comprei um côco fresco, envolto numan casca tipo esferovite, e o Filipe introduziu-nos todos ao prazer que é levar com um bocado de **** na língua, aquela pasta verde, japonesa. As nossas papilas gustativas rebentaram em cheias de saliva desesperada, enquanto os olhos se preparavam para abandonarem as suas orbitas, e se esbugalharem pela calçada a fora, a última onça de dignidade/masculinidade se volatilizava numa dança espasmódica e mentalmente contavam-se os 15 segundos que, consoante o Filipe, demoraria a passar. 1,1,1,1,1,1,1,1e meio, 2, 2, 2,2 ....Ficaram três montinhos carbonizados e secos no local onde tiveramos ourtora viçosas e escorregadias línguas, e enquanto o último cabelo de encaracolava, tipo saca-rolhas, no nosso crânio latejante, juramos para nunca mais. Pelo menos naquele dia. Os asiáticos que passavam riam...deviam ir a pensar que os narigudos dos europeus não aguentam nada. Mas após quinze segundos passa mesmo, embora me ficasse a arder o estômago.
Foi algures por esta altura que reparei que a minha estimada carteira não se encontrava mais entre os nós. A pobrezinha falecera ou fora abandonada algures na grande capital, senão – poir dos casos – raptada e o seu interior mais sagrado, o cartão de crédito violado até não conseguir andar. Grande irritação: cartão de crédito, multibanco, estudante, saúde... o que vale é que sou desorganizada, mas não sou maluca, perdi-a num sítio seguro em casa do Tim, de onde seguiu direitinha para Hodgkin House, a imbecil. Também não sabia avisar que estava esquecida?
Encontrámos o Daniel, a Inês e um amigo brasileiro deles para jantar, e fomos a uma pizzeria, rimos muito, já não sei de quê, só me recordo de uma coisa específica, pois foi daqueles pormenores com palavras que me ficam na cabeça: contou o brasuca que tinha ouvido uma conversa entre duas meninas brasileiras que discutiam se a forma correcta (“correta”) da palavra seria “Pobrema” ou “Porblema”, chegando á conclusão de que ambas estariam correctas, pois “Pobrema” seria quando se tratasse de assuntos relacionados com dinheiro, e “Porblema” quando fosse com o marido, ou a família, ou outra coisa.... Sem comentários.
Chegámos à estação cansadinhos, mas muito pontuais, uns 25 minutos antes da partida do autocarro, e desejosos de nos aconchegarmos e de dormirmos até Bristol. Fomos dos primeiros na fila, e o senhor olha para os nossos bilhetes e diz: Desculpe, mas estes são para amanhã...! Gelou-me tudo. Tenho alturas em que se faz noite escura à volta do meu neurónio, e confesso que são frequentes, mas naquele momento?! Quando só queriamos ir para casinha?? O Filipe insistiu que TINHAMOS que ir, e o condutor concordou em deixar-nos ir se sobrassem lugares ----*esperaansiosa*----sobraram. Ficámos foi todos separados, mas sinceramente, naquele momento não me teria importado de ir ao lado do abominável homem das neves, desde que ele fosse sossegadinho e sem fome. Não foi tão mau, fiquei ao lado de uma senhora rechonchuda, que insistia em depositar em mim um cotovelo pesado, mas quem mendiga não pode ser esquisito. Pior ficou o Manelinho, que se teve de sentar ao lado de uma versão velha do Lenny Kravitz, que ressonava esporádicamente como se estivesse a agoniar. Foi bom chegar a casa, depois de carregarmos as pesadas malas da estação rodoviária até Hodgkin House, e até me esperava uma surpresa agradável, um postal e uma carta da minha Leninha, e, maravilha das maravilhas, e é aqui que entra o Caps Lock: *capslockon* UM POSTAL DA BÉ...QUE É AMIIIIIIIGA. Gostei muito e quero mais. Já agora, só para insistir:
Sophie Luisa Fechner
Room A8
Hodgkin House,
Clifton/Bristol
BS8 1JG
Não se inibam.
4 comments:
Posso mandar-me a mim pelo correio? Há um espacinho debaixo da tua cama ou dentro dum armário pra eu pernoitar por uns dias? Mas eu escrevo-te anyway ^^
Ihhh, quero lá teenagers malcheirosos no meu armário...Deus me livre!
E depois a Patixa é que me dizia...
Eu não sou malcheiroso :(
E a minha tonta tamem não se incomodava nada de vir comigo :P
Só agora li as aventuras. Agora sim, depois de Camden, da Tate e de tudo, já esteve em Londres. Eu vou de sábado a 3a e primeira paragem com as minhas filhas é Camden. (Com 5 e 4 anos, nunca mais vão esquecer a lição de multiculturalismo que lhes vai entrar olhos dentro) É mentira isso de não haver malta normal em Camden... Não se esqueça que passo a vida a ir lá e nada tenho de freak (ou será que tenho?!?)
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