Saturday, 3 February 2007

Dias seguintes...

Terça-feira, dia 30...

Não ganhei nenhumas calorias...continuo a ser uma não fumadora...e uma pessoa anti-social que não bebe alcool...(isto só tem piada para quem leu o diário de Bridget Jones, que começa todos os dias com uma lista semelhante).

Levantei-me tarde, pois infelizmente já consegui trocar-me toda com as horas, à noite acho sempre que é muito cedo (anoitece depressa, logo parece mais tarde) e curiosamente de manhã também, embora aí não encontre explicação lógica...enfim, lá me consegui desembaraçar do abraço de Morfeu (só me lembro do Filipe, danado, a perguntar-me quem era “essa gajo”, uma vez que usei a expressão ao telefone com ele), ora bem, José Alberto Morfeu, é quem ele é, nada a ver com o deus do sono.

Desembaraçei-me dele, e atirei-me de cabeça para a tarefa hercúlea de encontrar the ominous Mr.Brown, supostamente meu tutor. A minha busca foi, no entanto, infrutífera, uma vez que a criatura continua doente, e nem o Professor Hawkins do departamento de francês me conseguiu adiantar muito.

Ao almoço comi o resto do esparguete do dia anterior, já consigo antever que isto da paparoca vai ser o meu maior problema. Eu já por natureza não tenho muita pachorra para comer, então agora que é tudo mais complicado, por causa das compras, da cozinha comum, da seca que é cozinhar para uma pessoa, estou a ver que desapareço...Às vezes é um bocado chato tentar cozinhar num sítio onde temos que lavar tudo duas vezes, pois a pessoa anterior deixou o arroz queimar e não sabe o que é um esfregão...e as facas são a maior desgraça, tenho que comprar umas.

É muito interessante ver o pessoal a comer, há vários rapazes de Ghana e da Zâmbia, que cozinham papas de farinha de milho com legumes estranhos e comem-nas com as mãos, ou os asiáticos que se recusam a comer comida europeia, fazem sempre massas cheias de especiarias fortíssimas...e depois eu, a enfiar massas re-aquecidas pela goela abaixo, que estão frias no centro, pois não as deixei no microondas tempo suficiente.

Definitivamente, se tivesse de escolher entre nunca mais ter de comer, ou nunca mais ter de dormir, nunca mais comia. É que é todos os dias o mesmo frete: ainda nem acabei de lavar a loiça, e já estou com fome outra vez, irra.

Fui até ao Zoo, mas não deu em nada, não tem vacancies, isto é vagas para estudantes que querem um part-time job, talvez a lojinha do Zoo tenha, mas para isso tento antes a sapataria, pois é três vezes mais perto.

Li mais um bocado do meu livro, que o pai do Fil me deu nos anos, chama-se “The memory keeper´s daughter”, de uma tal Kim Edwards, e é a história de uns gémeos separados à nascença, dos quais um tem Down Syndrome...Adormeci.

Quando acordei, toda abananada e pensava que já tinha acabado com o dia, a Elsa perguntou se não queria ir beber um “café” ao Students Union, que é a associação de estudantes com bar encorporado.

Fomos, e levamos também a Gina, que é uma rapariga indiana, minúscula (chega-me mais ao menos ao umbigo), que estuda direito e se chama assim porque os pais dela eram apreciadores da Gina Lolobriga (?)(parece-me mal escrito, mas quem escreve “percento” em vez de “porcento” é capaz de tudo).

Lá no Bar estava tudo cheio de estudantes e de pints, - pois estes últimos só custavam uma libra - , agregados à volta de mesas de snookers e matraquilhos, que têm um nome estranho em inglês, fuss-qualquercoisa...

Ficamos para lá um bocado, com mais algum pessoal do Hodgkin House, a Claire, que é inglesa, o Imran, que é do paquistão, o Sila do Taiwan, e mais uns cujos nomes não percebi, por causa do barulho.

Quarta-feira, dia 31, finalmente sei o que vou fazer ao longo do semestre: São três disciplinas, Advanced English, English for business purposes e Contemporary British Cinema, cada uma vale 10 ECTS, e não posso fazer mais que esses por semestre, nem que queira, não me deixam.

Parecia-me um bocado pouco, considerando que em Portugal teria seis cadeiras, mas o Prof disse que elas são bastante trabalhosas, e que não me devo queixar de falta de ocupação, uma vez que começem as aulas. Bem, verdade é que valem o triplo de créditos de qualquer cadeira em Évora.

O learning agreement é que é um disparate, já que depouis não pode ser nada como nós escolhemos, podia bem poupar-me o trabalho de o preencher e andar a azucrinar as pessoas com ele: Estudantes de erasmus não podem fazer nenhuma cadeira de literatura inglesa, excepto uma, e essa está a abarrotar, logo não consegui ficar nela. Que seja cinema, então. A outra opção seria francês para iniciados, mas isso talvez não faça muito sentido no âmbito do curso que estou a tirar.

Foi um tal Professor Hook, substituto do contínuamente engripado e misterioso Mr.Brown (que me mandou um mail a dizer que lá estaria hoje, o que não pude, infelizmente confirmar como verídico, visto que bati com o focinho na porta mais uma vez, e segui papelinhos tipo paddy-paper, até encontrar quem me ajudasse) que me convidou para um capuccino e me ajudou a chagar o miolo do Professor Hawkins do departamento de francês até obtermos resultados.

Almoçei no BISC, era dia de Sopa, paga-se dois pounds e pode se comer tanta sopa quanto se quiser....ao que eu cheguei, parece que ando na sopa dos pobres, e a tentar comer à borla...mas a sopa é boa, e conheci uma rapariga americana, de Oklahoma, a Paige, que era muito simpática, talvez vamos a Londres juntas.

Também recebi dois convites para festas, uma na quinta, outra na sexta, feitos por uma rapariga alemã, a Judith...festa no maior clube de Bristol, o Oceana’s, situado na Marina, e festa mexicana, o que rima com tequila...fiquei com vergonha de dizer que não, mas não me apetece nada ir, até porque tenho ouvido que as alemãs são rijas para a bebida, e como nessas situações sou sempre a última idiota sóbria que não se diverte, e a quem ainda vomitam para cima dos sapatos, acho que vou arranjar uma desculpa.

Ah, há que mencionar ainda que comi a sanduíche mais consistente da minha vida, ao jantar. Quem me conhece melhor sabe que eu sou muito pão-pão-queijo-queijo, literalmente, e odeio misturas, mas nesta sandes pus: Manteiga, Frango, Pepino, Queijo e ainda comi tomatinhos cock-tail à parte!!! Há que saber também que não gosto de tomate, é coisa que provo repetidamente e não consigo apreciar, mas estes eram fofinhos na sua pequenez.

Quinta-feira, dia 1 de Fevereiro,

Dia de pagar mais uma horrorrosa soma , que nem quero cambiar para euros, umas 260 libras, de renda...

Acordaram-me logo de manhã para limpar o quarto, coisa que eu, não tendo cá a minha Lena organizada, deixei cair em esquecimento, de modo a que me apanharam de surpresa. Fiquei dez minutos sentada a dormitar na borda da banheira, com o olhinho pegajoso meio fechado, até que o barulho do monstruoso aspirador cessasse, e eu pudesse voltar à pátria, Vila de lençóis, onde combatera soldados iraquianos com light-sabers durante toda a noite. Só eu e a minha funda de fiambre, com a qual atirava mortíferas azeitonas.

Fui às compras com a Elsa, precisava urgentemente de um adaptador novo, pois o que eu tinha aranjado pifou logo, o que talvez, - hipótese remota – se prenda com o facto de dizer “only for toothbrushes and razors” e eu ter ignorantemente ligado o meu lap-top a ele. Diz o Pedro que é uma questão de voltagem, preciso de 13 amperes, só tinha 1, rebentei o fusível...o que é que poderia ser mais óbvio??? Loooooooiras....

Descobri que afinal ainda precisava de mais coisas, entre outras de dois livros de bolso levezinhos, antes de começar a seriadade dos meus estudos, um do nosso estimado Stephen King, que aprecio como bom escritor que é, apesar de ter uma mente doente e perversa e as histórias serem horrorrosas (será por isso chamado estilo: terror??), e um de uma tal Patricia Cornwall, dessa só ouvi falar, escreveu um livro sobre o Jack the Ripper, e este também deve ser cheio de detalhes nojentos, anatómicos e cadaverosos, mas como a maior parte do pessoal vê uma novela, ou um mau filme, deixem-me a mim, que cresci sem Tv, ler um mau livro. Também tenho direito, né?

Ainda comprei dois posters, para decoração de interiores, um com as ilhas britanicas, para cultivo do conhecimento geográfico, (e porque estava reduzido para 99pence) e um dos....tremo ao dizê-lo....Led Zeppelin.

Não que eu conheça a banda, só sei chiar um refrão, steeeerway tuuuuuu heeeeevaaaaan, mas o meu brody é fã, e como eu tenho um grave ponto fraco no que diz repeito àquelas duas pragas adolescentes, malcriadas e malcheirosas, às quais chamo irmãos, não consegui comprar algo que eu quisesse. Fiquei a pensar que ele havia de gostar tanto deste...e deste...e deste...Agora falta o segundo brody, que gosta de 2-Pac e dos livros e filmes do Godfather (aí a culpa é minha, eu li e recomendei, quem me manda a mim), por isso ao terrível e mórbido Led Zeppelin juntar-se-á, em breve, um sombrio Marlon Brando, ou um rapper musculado que sabe tanto de gramática da língua inglesa como o Winnie the Pooh, ain’t it, homies?

Ainda um pouco mais tarde, eu irei para terapia psicológica devido aos efeitos negativos do ambiente sobre a minha já naturalmente psicótica cabeça.

Entretanto a Elsa mencionou que eram os anos da Ruth, uma rapariga muito querida que faz parte do pessoal do BISC, e aí estava a minha deixa para desculpa esfarrapada, anti-borguista: Épa, gostava muito, mas tenho outra festa...Glamoroso...nunca tinha dito isto antes.

Pouco liguei ao facto de não ter sido convidada formalmente, ela disse que quem quisesse podia aparecer, então comprei uma prenda fixe (almofada anti-stress, que custei a largar), e apareci. Vale tudo para escapar à noite britânica e às suas devoradoras de homens, que devem ser mortas vivas, pois com o frio que está na rua andam de top e mini-saia, sem collants, e de san-dá-li-as...aliás, nunca vi tantas mini-saias como aqui em Bristol, mas essas nocturnas tem um nome na lingua dos nativos, chmam-lhes “Slutsicles”, um neologismo formado a partir da aglutinação de “Slut” (cabra) e Popsicle (gelado de gelo).

A festa de aniversário surpreendeu-me pela positiva, lá fui, com o meu receio de ingleses bezanas que me moessem o miolo, mas tinha me esquecido que o BISC, como quase todas as instituições por aqui, incluindo o Hodgkin House, são geridas e apoiadas pela igreja, e então a menina dos anos e metade dos convidados do evento, que teve lugar num apartamento anexo à igreja, eram “Christians”, o que nas palavras da Becky, uma delas, equivale a “beliving in Jesus, I guess...”. E os Christians, pelo menos nessa noite, portaram-se muito bem. Havia uma garrafa de vinho, mas ninguem a abriu, e jogaram-se jogos de charada e tipo pictionary, eu gostei.

Sexta-feira

Ando a dormir que nem uma marmota, o que é um feito admirável, até para mim, pois o meu quarto fica directamente por cima do quarto do Calvin. O Calvin é uma personagem que escapa a todas as descrições, mas vou tentar: É um afro-americano do sul dos estados unidos, gigantesco, super-extrovertido, muito culto, tá a tirar um Phd em história da arte, com destaque para os pintores Pré Rafaelitas, é produtor de musicais e gay. É uma mistura explosiva que se manifesta em gestos hilariantes e cantorias matinais...hoje de manhã acordei a ouvir o seu sonante barítono numa interpretação de "Its a be-auuuuuuutiful day, a beauuuutiful moooooooooorniiiiing..."o que vale é que não canta mal, senão eu iria ter um problema, pois ele é muito sensível a críticas, mete sempre na cabeça que é por ser de cor ou por ser gay, mesmo quando não é nada disso. Mas pronto, suponho que é uma conjugação complicada de factores, neste nosso mundinho sacana. Apesar da preguiça, consegui fazer umas compras, enviar uns postais e até fazer uma sopa de galinha. Mas não é daquelas canjas alentejanas com limão e patas de galinha encarquilhadas lá dentro, é com cenouras, aipo, alho francês e o franguinho todo desfiado.

Também comprei ingredientes para um Shepards Pie, leia-se, empadão.

À noite tivemos uma discussão acesa na sala de convívio, até desligámos a televisão, sobre tópicos tão controversos quanto a pena de morte, o aborto, a religião e o senhor dos anéis, este último proposto por mim, numa tentativa de acalmar os ânimos... Imaginem o que é falar destes temas quando o grupo é composto por Islamicos bastante convictos, Hindus, pessoas confusas das Filipinas, agnósticos tugas, cristãos em dúvida e sei lá mais o quê...mas foi muito interessante. O Lukas da República Checa foi o mais calmo e calado, e a Elsa quase nos executou por não repudiarmos a cem porcento a pena de morte, note-se o paradoxo.

Mais giro foi o Imran a afirmar que o aborto era assassínio, e anti-natural, e que sexo deveria ser somente para fins reprodutores, ao que eu lhe perguntei se não deveria ser eu a decidir se quero e consigo criar um filho, e então porque é que certas partes da anatomia humana não vinham com uma etiqueta a dizer “for reproduction purposes only”.

Faz-me bem este tipo de discussões pois bem preciso de treinar uma exposição clara e calma de ideias...Muitas vezes as pessoas tornam-se tão brutas quando acham que tem razão. A mim acontece-me, mas acho que ontem tive bem.

Depois o Luigi, que como podem imaginar é italiano, leu, ou antes deixou o Imran ler um texto que ele escrevera sobre as mulheres...Acho que era suposto ser humorístico, mas não achei assim tanta piada. O próprio Luigi confessou que após o ter mostrado a uma rapariga da Estónia, que até gostava dele, esta tinha dito “F*ck you, chauvinist pig”, não voltando a olhar-lhe para a cara.

Era o típico aglomerado de clichés, desde irmos à casa de banho aos pares, até não sabermos conduzir, e ainda destacava a questão das loiras como seres perdidos no que toca ao uso do seu único neurónio...Se eu encontrar o link na net, mando-vos.

Encontrei: http://www.luigigobbi.com/

Enfim, quando chegou a vez de comentarmos eu disse que esperava que fosse uma brincadeira, que não concordava com 90% das coisas, e que se estivesse solteirinha e disponível ele acabaria de arruinar toda e qualquer hipótese remota de um relacionamento.

Depois eu e a Elsa abandonámos o debate para ir lavar a loiça, por mais caricato que pareça.

Acho que amanhã o pessoal vai todo à Disco, entrada livre até às 10horas, a partir daí 10£, o que quer dizer que devem ir para lá às cinco da tarde, nunca vi pessoas sairem tão cedo...

2 comments:

Guilherme F said...

"Não ganhei nenhumas calorias...continuo a ser uma não fumadora...e uma pessoa anti-social que não bebe alcool..." - como me identifico com esta tua frase minha cara! Sinceramente em termos da comida acho que ia pedir receitas aos teus colegas estrangeiros, já conheces o meu gosto em termos culinários e sou uma pessoa corajosa quanto a novos sabores.
Combater soldados iraquianos com light-sabers durante toda a noite com uma funda de fiambre que atira mortíferas azeitonas deve ser um passatempo optimo, tenho de experimentar someday!
A cena da voltagem é mesmo.. loooira! ;)
Quanto ao poster dos Led Zeppelin e os artigos do 2-Pac acho que fazes bem em lembrares-te dos irmãozinhos que deixaste na tua adorada Pátria, é fofinho e eles vão gostar ;)
“for reproduction purposes only” nem comento LOL! Enfim gostei destas tuas aventuras, continua e boa sorte com isso por ai! ;) *

Carla Ferreira de Castro said...

Acho que a Bristol Jones ficou no bar estes dias todos adquirindo novos hábitos de conduta (que incluem beber e fumar) e que depois, arrependida, foi ao seu primeiro encontro de AA e está pejada de adesivos de nicotina... Ou isso ou então encontrou o Prof. Brown que a raptou, estando agora a sofrer a Síndrome de Estocolmo na sua plenitude. Deve ser por isso que deixou de postar, não? Hello?!